segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Aprovado relatório que aponta violação dos direitos humanos em barragens

Reunido em Campo Grande (MS), no dia 22/11, o CDDPH aprovou o relatório da Comissão Especial que analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no processo de implantação de barragens no Brasil. O presidente do Conselho e Secretário Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, parabenizou a Comissão e considerou seu trabalho “árduo e histórico”.

O Relatório Final possui uma parte dedicada às recomendações e considerações gerais para garantia e preservação dos direitos humanos dos atingidos por barragens e outra referente ao companhamento das denúncias dos casos acolhidos pela Comissão Especial. A saber: UHE Canabrava, UHE Tucuruí, UHE Aimorés, UHE Foz do Chapecó, PCH Fumaça, PCH Emboque e Barragem de Acauã.

Segundo o relatório, “os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”.

A comissão identificou, nos casos analisados, um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados, dentre os quais, merecem destaque o direito à informação e à participação; direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito à plena reparação das perdas.

Entre os principais fatores, apontados pelo relatório, que causam as violações de direitos humanos na implantação de barragens estão a precariedade e insuficiência dos estudos ambientais realizados pelos governos federal e estaduais, e a definição restritiva e limitada do conceito de atingido adotados pelas empresas.

Segundo a coordenação do MAB, o relatório só confirma as denúncias que o movimento vem fazendo há anos. “Agora, iremos realizar encontros para debater o conteúdo do relatório com os atingidos por barragens de todo o Brasil e discutir o que faremos para pressionar para que se apliquem ações de reparação. Além disso, iremos sugerir que o próximo trabalho da Comissão seja um estudo sobre as violações dos direitos das mulheres nas áreas de construção de barragens”, afirmou a coordenação.

Recomendações

A comissão recomendou a adoção de mais de 100 medidas para garantir e preservar os direitos humanos dos atingidos por barragens e evitar novas violações. De acordo com o representante do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão, João Aquira Omoto, a aprovação do relatório é de extrema importância, pois é o reconhecimento do Estado de uma situação que estava se perpetuando sem que houvesse, de fato, medidas e propostas pra resolvê-la. “De posse do relatório aprovado, nos reuniremos internamente no MPF para saber de que maneira vamos nos organizar para cobrar dos órgãos do Estado o atendimento a essas recomendações”, afirmou o procurador.

Em nota, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) agradeceu o trabalho da Comissão Especial, manifestando seu profundo respeito e consideração com todas as pessoas que participaram da elaboração do relatório. Além disso, o movimento pediu para que todas as instituições que participaram da Comissão fizesse o possível para exigir a implementação das reparacões e sugestões propostas.

Veja um resumo das principais recomendações:

Concessão Pública, Licenciamento ambiental, Cadastro de atingidos, desapropriações e BNDES

O relatório recomenda profundas mudanças nos procedimentos de concessão pública e licenciamento ambiental (ambos a cargo dos governos federal e estadual), como a de que os estudos, os cadastros sociais de atingidos e desapropriações sejam de responsabilidade do poder concedente (governo federal e estadual) e pagos pelas empresas. Em relação ao BNDES e agências públicas nacionais de financiamento, o relatório recomenda que criem requisitos e salvaguardas sociais e ambientais específicas para contratos de empréstimos para a implantação de barragens, bem como mecanismos para que a sociedade civil possa acompanhar e controlar seu cumprimento, a exemplo do que já fazem agências multilaterais.

Comissão Nacional de Reparação dos Atingidos por Barragens

O relatório propõe que a Secretaria Especial dos Direitos Humanos constitua uma Comissão de Reparação, com a participação de outros órgãos governamentais, Ministério Público, Defensoria Pública e representação da sociedade civil para acolher, avaliar e julgar solicitações de reparação, individuais e coletivas, que lhes sejam encaminhadas no prazo de 12 meses a partir de sua instalação.

Planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social das regiões impactadas

Além das reparações individuais ou coletivas devidas, a comissão propôs que todos os projetos devem contemplar planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social (custeados pelas empresas proprietárias das barragens), com o objetivo essencial de recompor as cadeias produtivas locais e regionais que assegurem ocupação produtiva ao conjunto dos atingidos.

Melhoria das condições de vida

A constatação da comissão nos casos analisados é a de que após a construção das barragens as pessoas vivem em condições de vida piores do que viviam antes. Por isso, recomenda a ANEEL, ao Ministério de Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética, ao Ministério da Integração Nacional, a ANA, ao Ministério do Meio Ambiente, ao IBAMA e aos órgãos ambientais estaduais que condicionem autorizações, concessões e licenças à garantia de que grupos sociais, famílias e indivíduos terão acesso a meios que assegurem a melhoria contínua de suas condições de vida.

Direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

O relatório recomenda a regulamentação do artigo 231, par. 6º, da Constituição Federal e o estabelecimento das regras e procedimentos para a indispensável participação e manifestação direta de populações tradicionais, quilombolas e indígenas em processos decisórios e de obtenção do prévio, livre e informado consentimento, sempre que estiver em jogo a implantação de barragens em seus territórios, nos termos da Convenção OIT 169.

Setor de Comunicação – MAB

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Gigante NÃO está dormindo...

Estamos acompanhando os passos da CBA aqui no Vale...


Para eles, não importa o presidente, 2011 será o ano de Tijuco Alto...

Não iremos permitir!

A propósito, gostaríamos muito que a CBA, Votorantim e todas as empresas do Grupo declarassem: quem vocês financiaram nestas eleições?

Terra Teremos! Barragens Jamais!

quinta-feira, 22 de julho de 2010

MAB lança vídeo sobre a resistência dos povos do Xingu

O Movimento dos Atingidos por Barragens historicamente tem resistido contra a construção de barragens e lutado pela garantia dos direitos dos atingidos. Com a ameaça de Belo Monte, mais uma vez se faz necessário e urgente denunciar que a água e a energia não são mercadorias e que a vida do povo e do meio ambiente deve ser respeitada.

Neste sentido, produzimos o vídeo que retrata a luta e a resistência dos povos do Xingu contra Belo Monte. O vídeo foi dirigido e editado pelo cineasta italiano Andrea Rossi, diretor do filme “O Chamado do Madeira”.

http://www.mabnacional.org.br/noticias/190710_video_xingu.html

quarta-feira, 23 de junho de 2010

EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE BRASILEIRO E DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS SAUDÁVEIS: NÃO AO SUBSTITUTIVO DO CÓDIGO FLORESTAL!

No último dia 09 de junho de 2010, o Dep. Federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) apresentou o seu relatório à Comissão Especial, criada na Câmara dos Deputados, para analisar o Projeto de Lei nº. 1876/99 e outras propostas de mudanças no Código Florestal e na Legislação Ambiental brasileira. O referido relatório, de mais de 250 páginas, apresenta a proposta de substituição do Código Florestal (Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965).

Apesar de ser de 1965, o Código Florestal é bastante atual, pois está baseado em uma série de princípios que respondem às principais preocupações em torno do uso sustentável do meio ambiente.

Nesse sentido, as entidades populares, agrárias e ambientalistas, reconhecendo a necessidade de atualizar as leis, sempre defenderam o aperfeiçoamento do Código Florestal, especialmente para adequá-lo à realidade da agricultura familiar e camponesa. Há a concreta necessidade de se criar regulamentações que possibilitem ao Código atender às especificidades da agricultura familiar. Além disto, é essencial uma série de políticas públicas de fomento, crédito, assistência técnica, agroindustrialização e comercialização, as quais garantirão o uso sustentável das áreas de reserva legal e proteção permanente.

Estas mudanças, no entanto, são muito distintas das propostas no Projeto de Lei (PL). Isso porque, segundo cálculos de algumas entidades da área ambiental, a aplicação do mesmo resultará na emissão entre 25 bilhões a 30 bilhões de toneladas de gás carbônico só na Amazônia. Isso representa em torno de seis vezes a redução estimada de emissões por desmatamento que o Brasil estabeleceu como meta. Consequentemente, esta emissão impediria o país de cumprir esta meta assumida na conferência do clima de Copenhague.

Podemos afirmar que todo o texto do Projeto de Lei é insatisfatório, privilegiando exclusivamente os desejos das forças mais arcaicas do Brasil: os latifundiários. Dentre os principais pontos crítico do PL, podemos citar:: anistia completa aos desmatadores; a abolição da Reserva Legal para agricultura familiar; a possibilidade de compensação desta Reserva fora da região ou da bacia hidrográfica; e a transferência do arbítrio ambiental para os Estados e Municípios.

Primeiro, de acordo com o substitutivo, a responsabilidade de regulamentação ambiental passará para os estados. É fundamental entendermos que os biomas e rios não estão restritos aos limites de um ou dois Estados, portanto, não é possível pensar em leis estaduais distintas capazes de garantir a preservação dos mesmos. Por outro lado, esta estadualização representa, na prática, uma flexibilização da legislação, pois segundo o próprio texto, há a possibilidade de redução das áreas de Preservação Permanentes em até a metade se o estado assim o entender.

Em segundo lugar, o Projeto acaba por anistiar todos os produtores rurais que cometeram crimes ambientais até 22 de julho de 2008. Os desmatadores que descumpriram o Código Florestal terão cinco (5) para se ajustar à nova legislação, sendo que os mesmos não poderão ser multados neste período de moratória e ficam também cancelados embargos e termos de compromisso assinados por produtores rurais por derrubadas ilegais. A recuperação dessas áreas deverá ser feita no longínquo prazo de 30 anos!

Em terceiro lugar, o Projeto desobriga a manutenção de Reserva Legal para propriedades até quatro (4) módulos fiscais, as quais representam em torno de 90% dos imóveis rurais no Brasil. Essa isenção significa, por exemplo, que imóveis de até 400 hectares podem ser totalmente desmatados na Amazônia – já que cada módulo fiscal tem 100 hectares na região –, o que poderá representar o desmatamento de aproximadamente 85 milhões de hectares. É fundamental entendermos que a Constituição Federal estabeleceu a Reserva Legal a partir do princípio de que florestas, o meio ambiente e o patrimônio genético são interesses difusos, pertencente ao mesmo tempo a todos e a cada cidadão brasileiro indistintamente. E é fundamental ter claro que nenhum movimento social do campo apresentou como proposta essa abolição da RL, sempre discutindo sobre a redução de seu tamanho (percentagem da área total, principalmente na Amazônia) ou sobre formas sustentáveis de exploração e sistemas simplificados de autorização para essa atividade.

Ainda sobre a Reserva Legal, o texto estabelece que, nos casos em que a mesma deve ser mantida, a compensação poderá ser feita fora da região ou bacia hidrográfica. Além disso, esta recomposição poderá ser feita por meio do plantio de espécies exóticas. Isso significa que a supressão de vegetação nativa pode ser compensada, por exemplo, por monoculturas de eucaliptos, pinus, ou qualquer outra espécie, descaracterizando o bioma e empobrecendo a biodiversidade.

O Projeto de Lei traz ainda uma conseqüência nefasta, ou seja, a anistia dos desmatadores ou a isenção em respeitar o mínimo florestal por propriedade, destrói a possibilidade de desapropriação daquelas propriedades que não cumprem a sua função ambiental ou sócio-ambiental, conforme preceitua a Constituição Federal em seu art. 186, II.

Em um momento onde toda a humanidade está consciente da crise ambiental planetária e lutando por mudanças concretas na postura dos países, onde o próprio Brasil assume uma posição de defesa das questões ecológicas nacionais e globais, é totalmente inadmissível que retrocedamos em uma legislação tão importante como o Código Florestal. É inaceitável que uma legislação de 1965 seja mais moderna, ética e preocupada com o futuro da sociedade brasileira do que uma proposta de 2010.

A proposta do deputado Aldo Rebelo atenta violentamente contra a sua história de engajamento e dedicação às questões da sociedade brasileira. Ao defender um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos grandes latifundiários e à expansão desenfreada do agronegócio. Ao buscar combater supostas influencias de ONGs internacionais, se esquece que na realidade que é internacional é o agronegócio brasileiro, subordinado ao capital financeiro estrangeiro e às transnacionais do setor agropecurário e agroquímico. A sua postura em defesa do agronegócio o coloca imediatamente contrário à agricultura camponesa e familiar, a qual diz defender.

Por isso, nós, intelectuais, artistas e organizações sociais abaixo-assinadas, exigimos a total rejeição do Projeto de Lei de autoria do deputado Aldo Rebelo.


VIA CAMPESINA

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS SEM TERRA

MPA – MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES

MMC – MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS

FETRAF – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA FAMILIAR

CIMI – CENTRO INDIGENÍSTA MISSIONÁRIO

CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

CNASI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE ASSOCIAÇÕES DOS SERVIDORES DO INCRA

Visita de Lula é marcada por protesto em Altamira

Um protesto contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte marcou a visita do presidente Lula, nesta terça-feira (22), a Altamira, no Pará.

Os protestos começaram cedo, com uma caminhada pelas ruas da cidade. Dezenas de trabalhadores rurais, ribeirinhos e lideranças sociais seguiram em direção ao Estádio Municipal, local onde o presidente Lula foi recebido.

Os manifestantes mostraram insatisfação com a decisão do governo de construir a usina de Belo Monte.



O clima ficou tenso em uma das ruas de acesso ao estádio. Policiais da Tropa de Choque e homens do Exército cercaram o local para evitar tumultos. Os manifestantes tiveram de enfrentar uma fila para entrar no estádio. Eles foram proibidos de usar faixas e cartazes na cerimônia. Apenas um pequeno grupo de jovens conseguiu chegar perto do palco das autoridades.



Em seu discurso de apenas cinco minutos o presidente Lula defendeu Belo Monte como uma obra fundamental para o setor energético brasileiro.


As obras da Usina Belo Monte, no Rio Xingu, ainda não começaram. Segundo o cronograma, a operação da hidrelétrica deve começar em 2015. (GS)


23 de junho de 2010

Fonte: Globo Rural

domingo, 13 de junho de 2010

Acampamento terra livre 2010 no Xingu

A ARPIN-SUL ( Articulação dos povos indígenas da região sul) estamos acompanhando a luta e sofrimento que este governo esta causando a população indígena quando viola os direitos por nos conquistado ao longo do tempo principalmente em relação ao decreto 7056 que reestrutura a FUNAI ,construção da usina de BELO MONTE,transposição do rio São Francisco e situação dos guarani kaiowa do Mato Grosso do sul que a mais de 30 anos não foi resolvida ,entra governo e sai governo e não assume a questão indígena como prioridade por isso estamos convocando a todos os povos indígenas do BRASIL.
Indicamos que o acampamento terra livre de 2010 seja em BELO MONTE no RIO XINGÚ. E convocamos a sociedade brasileira ambientalista, artistas parceiros e defensores dos povos indígenas para unirmos forças contra essa ameaça das forças anti-indigena que querem dizimar os povos indígenas a qualquer custo.

Estaremos levando nossos melhores guerreiros para lutar porque consideramos que a hidrelétrica Belmonte e uma ameaça a sobrevivência dos povos indígenas do XINGÚ. E uma afronta a o indigenismo brasileiro.
Atenciosamente.

Kretã Kaingang
Coordenador

Decreto facilita hidrelétricas em unidades de conservação

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou na última semana uma nota com explicações sobre o Decreto 7.154/10. Esse decreto é alvo de críticas dos ambientalistas, por permitir a realização de estudos para a construção de hidrelétricas e linhas de transmissão de energia dentro de Unidades de Conservação (UC).
A reportagem é de Bruno Calixto e publicada por Amazonia.org.br, 09-06-2010.
Segundo o ICMBio, o decreto "não inova quanto à realização de estudos de potenciais de energia hidráulica em unidades de conservação". O instituto explica que os estudos de viabilidade vinham sendo realizados desde 2006, mas que foram suspensos pela falta de legislação a respeito - lacuna que teria sido fechada com a publicação do decreto.
O decreto foi editado no dia 9 de abril. A polêmica se dá principalmente por conta de dois projetos do governo para novas hidrelétricas na Amazônia, que vão gerar impactos em áreas de conservação: o projeto de usina hidrelétrica Tabajara e as usinas do rio Tapajós.
No rio Tapajós, no Pará, o Ministério de Minas e Energia (MME) pretende construir cinco usinas hidrelétricas, que devem impactar cerca de 800 km2 de áreas protegidas de florestas. O projeto foi criado antes da publicação do decreto, e as estimativas dos empreendedores foram feitas com base em fotos aéreas da região.
O MME defende o projeto argumentando que será instalado um novo conceito, de hidrelétrica-plataforma, similar às plataformas de petróleo, que irá minimizar os impactos. Esse conceito nunca foi testado em nenhuma hidrelétrica até hoje.
O outro projeto é a usina hidrelétrica Tabajara, que atingirá o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, e está com o processo de licenciamento suspenso. Segundo nota do ICMBio, o processo ficará suspenso até que se conclua e seja votado um projeto de lei que vai alterar os limites do parque nacional, para permitir a construção da hidrelétrica.
"Essa alteração diminuirá o parque em 1.600 hectares para excluir o trecho de campos amazônicos afetado pelo empreendimento mas, em compensação, o ampliará em mais de 190.000 hectares, dos quais 50.000 hectares são de áreas do mesmo ecossistema afetado pela usina hidrelétrica".
Decreto fere a legislação ambiental
No dia 12 de maio, o deputado federal do Partido Verde (PV) Sarney Filho apresentou uma proposta de decreto legislativo (PDC-2602/2010) para sustar os efeitos do Decreto 7.154/10. Segundo Sarney Filho, que é presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, esse decreto fere a legislação ambiental brasileira, porque permite estudos em áreas que devem ser de proteção integral. "Ressalte-se que a realização dessas pesquisas é incompatível com as Ucs de proteção integral, pois elas destinam-se à preservação. Preservar significa manter os ecossistemas nativos intactos, o máximo possível livres de qualquer interferência humana", diz a justificação da proposta.
Para o deputado, o decreto apresenta dispositivos que podem inclusive substituir o licenciamento ambiental. "O art. 8º prevê que o concessionário poderá requerer autorização para instalação desses empreendimentos nas Ucs federais de uso sustentável, por meio de processo administrativo próprio requerido pelo interessado junto ao ICMBio. Ora, com esses dispositivos, o Decreto substitui o licenciamento ambiental e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) por um simples requerimento."
A proposta de Sarney Filho está sendo apreciada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados. O relator é o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Veja aqui, na íntegra, o texto do PDC-2602/2010, de autoria do deputado Sarney Filho.

terça-feira, 8 de junho de 2010

A energia hidréletrica não é limpa, nem barata

Entrevista com Celio Bermann

por Manuela Azenha

O professor de pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP desmistifica os benefícios de o Brasil aproveitar o potencial energético dos rios da região Amazônica: “Belo Monte representa simbolicamente a possibilidade de transformar todo o territorio amazônico em um grande conjunto de jazidas de megawatts”.

Célio Bermann foi assessor do Ministério de Minas e Energia durante os dois primeiros anos do governo Lula e se afastou em desacordo com o que considera desvirtuamento da política do governo para o setor. Crítico assíduo do planejamento energético brasileiro, Bermann não só rejeita a construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, mas propõe uma nova direção de desenvolvimento econômico para o país.

Qual é a importância econômica da Usina de Belo Monte para o Brasil?

Bermann: A importância da usina deve ser medida pela sua capacidade de produção de energia, pelo tempo que a energia produzida estará disponível para o consumo da sociedade e pelos problemas de ordem social e ambiental que essa usina representa, inclusive sob o ponto de vista de custos. A importância econômica da Usina de Belo Monte para o Brasil é negativa, porque ela vai custar muito. O governo fala em 19 bilhões de reais de investimento, mas as empresas envolvidas na obra, na fabricação dos equipamentos, dizem que a obra não sai por menos de 30 bilhões. Os problemas sociais e ambientais, muitos deles, não têm custo financeiro. Mas imagine a perda do valor cultural do rio Xingu, que é sagrado para as populações indígenas. E esse tipo de raciocínio não está incorporado na decisão de construir um empreendimento. A obra é superdimensionada, porque a quantidade de água para tocar a usina na capacidade proposta, de 11 mil MW (Itaipu produz 14 mil MW, para se ter uma idéia do tamanho da usina), estará disponível apenas três meses ao ano. Na época de estiagem, por exemplo, em setembro e outubro, a usina não vai produzir mais do que 1 mil MW. Então porque investir numa obra com essa dimensão se o retorno econômico/financeiro é baixo? Não é a toa que o capital privado desistiu de participar da construção.

E porque então construí-la? Qual é o interesse do governo se não haverá esse retorno?

Bermann: Eu vejo a obra de Belo Monte como um projeto de longo prazo. É preciso levar em consideração que mais da metade do chamado potencial hidrelétrico, para construir hidrelétricas no Brasil, está localizado na região amazônica, onde há problemas de ordens social e ambiental. O fato de ter esse potencial para a construção de hidrelétricas faz com o governo aponte para essa direção irreversível: a de construir essas usinas, custe o que custar. Porque isso? O que chama atenção, como sempre, é a perspectiva do apagão, de se ter falta de energia. Ninguém quer ficar sem energia elétrica. Então essa forma de propagandear, de alardear que vai ter apagão, faz com que se aceite usinas com essas características. Não é particularmente o governo Lula, porque essa obra está sendo pensada há 30 anos.

O problema é que o governo Lula vai ficar na história como aquele governo que decretou o fim das populações indígenas e da cultura na região do Xingu. Para responder o por quê dessa obstinação do governo, é porque se conseguirem validar a construção da usina de Belo Monte, todas as outras usinas vão se validar também, principalmente no critério de impactos socio-ambientais. A Balbina (1) é conhecida como a pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque ela está na planície amazônica, ocupa um reservatório enorme de mais de 2500 km2, para gerar 250 MW, sendo que a potência firme dela é de apenas 120 MW. Numa situação dessa, o critério lógico é abandonar o projeto. Isso não foi feito, na década de oitenta. De lá pra cá, aumentou o número de planos de hidrelétricas. Belo Monte representa simbolicamente a possibilidade de transformar todo o território amazônico em um grande conjunto de jazidas de megawatts. Embora frágil, com populações tradicionais que precisam ser respeitadas, populações indígenas que precisam ser consideradas, a perspectiva que Belo Monte aponta é de priorizar a geração de energia a partir das águas do rio Amazonas. E o resto? Bem, o resto é o resto.

O Brasil tem um papel de protagonismo internacional em geração de energia limpa. No caso das hidrelétricas, temos enormes reservas de água que podem ser vantajosas para o país. Não se deve aproveitar essas vantagens?

Bermann: O maior erro desta política energética que está sendo implementada é o fato dela se apoiar em inverdades. Uma delas é de que a energia hidrelétrica é limpa e barata. Ela não é. Estudos mostraram que Balbina, Tucuruí e Samuel, as três maiores hidrelétricas construídas na região amazônica até agora, emitem gases de efeito estufa mais ou na mesma proporção que usinas a carvão mineral. Isso pode parecer uma surpresa, mas nos primeiros dez anos de operação de uma usina da Amazônia, a matéria orgânica, a mata, ela apodrece porque a água a deixa encoberta permanentemente. E o processo de apodrecimento é muito forte, acidifica a água e emite metano, que é um gás 21 vezes mais forte que o gás carbônico, principal gás do efeito estufa. Isso é conhecido pela ciência mas não é considerado porque não é de interesse de quem concebe essas usinas. O que interessa é a grande quantidade de dinheiro que vai ser repassado para as empresas construtoras de barragens, turbinas e geradores. O restante, o problema ambiental, as populações que serão expulsas, a cultura indígena que está sendo desconsiderada, isso não entra na conta.

Ainda não entendi porque construir essa usina se a energia é suja, cara e provoca todos esses impactos socioambientais. O Brasil precisa dessa energia ou não?

Bermann: Se o Brasil persistir nessa direção de desenvolvimento econômico, sim. Mas é isso o que precisa ser mudado. No Brasil, 30% da energia gerada é gasta por empresas que consomem muito: fábricas de aço e de alumínio, principalmente. Todas as empresas presentes na Amazônia, e que usam a energia de Tucuruí, são produtoras de alumínio, que é exportado. Então é essa lógica que está por trás disso. Fala-se em crescimento econômico mas a fabricação industrial é direcionada para essa produção e para a exportação.

Seguindo essa lógica, fatalmente o Brasil precisará de energia. O problema que precisa ser aberto para a população brasileira é se a gente quer um crescimento econômico com esse perfil. Ou se com a mesma energia disponível, não podemos produzir produtos que contenham mais tecnologia, mais mão de obra, que tenham maior valor agregado e aí sim, exportá-los. É o que o Japão faz. Na década de 80, todas as indústrias de alumínio foram fechadas. O Japão passou a importar o alumínio, transformá-lo em chips, para então vendê-los com um valor 20 vezes maior do que ele pagou pelo alumínio utilizado. É possível crescer economicamente gastando menos energia, se diversificarmos a nossa matriz energética para que ela não priorize a hidroeletricidade, como ela vem sendo priorizada hoje.

É falsa a idéia de que ela é mais barata do que as outras. Colocado na ponta do lápis, esse custo de 30 bilhões da usina de Belo Monte será financiado pelo BNDES, com o nosso dinheiro, porque as empresas privadas não quiseram entrar. O banco público vai bancar 80% dos investimentos e pagar empresas privadas para construir a usina. E a energia elétrica, muito provavelmente, vai servir para ampliar esse perfil industrial eletro-intensivo. Vai vir alguma coisa para o consumidor residencial brasileiro, mas poderíamos conseguir essa energia diversificando as fontes, não tendo essa idéia de privilegiar grandes blocos de consumo, como esse tipo de indústria faz. A gente tem, na economia brasileira, demonstrações de que existem setores que atendem ao requisito de menor consumo de energia, maior tecnologia e maior incorporação de mão de obra. Então porque não insistir nessa direção?

E quais são esses setores?

Bermann: Por exemplo, a fabricação de aviões. Dentro da pauta de exportação brasileira, é o que mais se sobressai, em termos de receita que advém da venda desses equipamentos. Não dá para persistir na idéia de um país da dimensão do Brasil, com as necessidades sociais que tem, como exportador de soja, de café, de açúcar, de etanol…Exportar aço, celulose, alumínio, é restringir a capacidade que o conhecimento brasileiro tem, a capacidade de trabalho que o país tem de consumir energia de uma forma mais inteligente, de uma forma que degrade menos a força de trabalho de sua gente e o meio ambiente.

Você acha que a sociedade brasileira está a par do que está acontecendo na Amazônia?

Bermann: É fundamental que a discussão das usinas hidrelétricas da Amazônia seja disseminada para que as idéias que hoje justificam essas obras possam passar pelo crivo da sociedade, e não apenas de especialistas, e aí eu me incluo, que mostram seu ponto de vista cientifico do por quê condenar o empreendimento dessas obras. O projeto brasileiro é de construir 28 usinas na região amazônica. Hoje tem quinze, mas de porte são Tucuruí, Balbina e Samuel. Desse conjunto que se pretende, mostra que 80% da capacidade de geração de energia elétrica prevista até 2020 vai vir de 28 usinas hidrelétricas da Amazônia.

E a questão permanece: a que custos sociais e ambientais? Vale a pena? A gente não vai conseguir substituir a necessidade de energia de uma indústria de alumínio com o vento, ou com energia solar. Mas ela consegue suprir de uma forma diversificada parte da necessidade de consumo da população, de atividades de indústria de ponta, ou de comércio e serviços. Não devemos permanecer nessa dependência de grandes usinas hidrelétricas que custam caro, estão numa distância muito grande do consumo e representam do ponto de vista socio- ambiental, pesados óbices para um país como o Brasil aumentar a renda, a geração de emprego e melhorar a qualidade de vida da população.

A renda no Brasil é absurdamente concentrada e os esforços recentes nessa direção ainda são pouco significativos frente à dimensão que hoje se estabelece. Metade da população ganha a mesma renda que 5% dos brasileiros. Isso mostra porque temos problemas de segurança, baixa escolaridade, baixa capacitação de mão de obra para se qualificar e se inserir no mercado de trabalho. É um conjunto de problemas que se verifica e que poderiam ser resolvidos a partir dessa redifinição do que se quer de um país e como a energia pode contribuir numa qualidade de vida mais elevada. O problema é que estamos muito longe dessa direção.

Quais são as alternativas de geração de energia?

Bermann: Para pequena escala serviria energia solar, dos ventos, dos resíduos agrícolas. A política energética atual tem incorporado essas alternativas de uma forma muito tímida, deveria ser multiplicada na sua escala. Alegam que essas energias alternativas são caras mas se a gente considera a hidroeletricidade com todos os problemas que eu apontei e com todos seus custos, elas passam a ser viáveis, e passam a potencialmente poder compor a cesta energética brasileira. Existe uma falsa questão na hidroeletricidade quando ela é comparada aos combustíveis fósseis e não tem uma vírgula sobre isso no projeto de Belo Monte.

Eu estranhei o espaço que a usina de Belo Monte tem tido na mídia, nunca vi a imprensa defender tanto o meio ambiente. Você acha que existe uma questão política por trás dessa discussão?

Bermann: Eu já estive muito próximo do governo Lula. Participei dos primeiros dois anos do governo como assessor de do Ministério de Minas e Energia. E me afastei por ver a direção que o governo Lula tomava e a sua forma de assegurar governabilidade, se aliando ao PMDB, particularmente à figura do senador Sarney. Isso implicou um redirecionamento político, inclusive nesse comportamento em relação às usinas hidrelétricas. Todo o staff hoje das empresas públicas elétricas é de homens do Sarney. Então a forma da oposição combater politicamente a obra de Belo Monte é em função do que é evidente, dos custos, dos problemas socio-ambientais, para com isso alimentar a crítica, mas que é de fundamento político, à obra. Eu nao vi ainda a oposição dizer que não construiria Belo Monte. Não vi o candidato de oposição se referir à usina de forma incisiva. Então eu vejo que o comportamento da mídia em relação à Belo Monte, que poderia resultar no envolvimento da sociedade com relação à usina e criar condições para que o governo revesse a decisão, foi usado muito na atitude de jogar pedra no telhado de vidro, quando eu suponho que seria o mesmo telhado se tivéssemos outro governo.

Um país subdesenvolvido pode ter um desenvolvimento sustentavel? Quer dizer, um país com tantas necessidades sociais quanto o Brasil pode pensar nesses termos a longo prazo?

Bermann: Deveria. Mas na construção de hidrelétricas, não se pensa no meio ambiente a longo prazo. Enquanto houver minérios na Amazônia, vamos aproveitar. Uma usina hidrelétrica dura até 100 anos. Nos EUA, quando as hidrelétricas já não funcionam mais, estão tentando recuperar a vida do rio, porque a vida do rio morre com a usina hidrelétrica. A água que corria agora fica parada, aumenta sua acidez, diminui o oxigênio, no lago começam a formar macrófitas (algas). São evidências de que a coisa não está indo no bom caminho se a gente pensa a longo prazo. A sociedade não está informada, não participa do processo decisório. Quem participa são essas pessoas que eu mencionei, com suas teias de interesse já definidas. O deputado que hoje está na frente de uma empresa de geração de energia elétrica pública, ele garante com esse tipo de articulação, caixas de campanha para a próxima eleição. Eles embolsam o dinheiro indiretamente, o que torna impossível de registrar, documentar e ser uma peça importante num processo judicial de apuração de responsabilidades.

O Delfim Netto escreveu coluna na revista CartaCapital argumentando em defesa da construção da usina de Belo Monte. Segundo ele, os não índios na região se beneficiariam com a criação de emprego e a movimentação da economia. Termina a coluna citando uma frase que um jornalista publicou no Estadão : “As questões ambientais ou indígenas são vistas pelos locais como argumentos de quem tem sobrevivência garantida. Não é o caso de boa parte dos 60 mil habitantes de Altamira”.

Bermann: A afirmação do Dep. Delfim Neto apenas confunde. A sobrevivência das populações tradicionais está e sempre esteve em permanente ameaça. A população urbana de Altamira tem vários problemas que não são enfrentados pelo município ou pelo estado. A ausência de políticas públicas acaba conduzindo a população carente a acreditar que a usina seria a redenção para a região. Como já havia sido, décadas atrás, a construção da Transamazônica.

(1) A Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, começou a ser construída em 1973 no rio Uatamã e passou a funcionar em 1988.



segunda-feira, 31 de maio de 2010

Usina de Problemas

Por Diego Dacax

http://www.rollingstone.com.br/edicoes/42/textos/usina-problemas-grupo-votorantim-cba-hidreletricas/


Detentor da maior área de preservação contínua da mata atlântica brasileira e o pior idh de São Paulo, o Vale do Ribeira se divide entre a promessa de desenvolvimento e a ameaça socioambiental que a construção de uma usina hidrelétrica pode levar à região.



Miguel Erat Woner anda desanimado com a vida, e tem suas razões para tanto: "Se quiser amarrar um cavalo no meu quintal, não dá, tem que amarrar no do vizinho. Aqui não tem espaço pra nada e está tudo desbarrancando. Eu tenho que plantar banana em terreno dos outros. Tenho que depender de favor pra plantar".


O desabafo do senhor de 61 anos vem acompanhado de uma tosse que há mais de cinco meses atrapalha os seus diálogos. A conversa se desenrola em um cômodo que serve de sala, copa e cozinha de uma humilde morada de madeira que nem forro tem. O local é bastante diferente da casa onde Miguel e sua família viviam anteriormente - em uma confortável e bem equipada fazenda em Ribeira (SP), de onde tiravam seu sustento por meio da agricultura. Os Woner só foram obrigados a abandonar essa antiga residência porque parte do local acabaria debaixo d'água.


Miguel e a esposa, Margarida, passaram a vida toda em Ribeira, na divisa de São Paulo com o Paraná. Moravam com os três filhos na fazenda São Pedro, uma das mais bem estruturadas da região. Não gastavam com moradia ou alimentação e ainda ganhavam cerca de quatro salários por mês. Tudo ia bem até que, no final dos anos 80, começaram a aparecer os primeiros barcos motorizados, coisa que, àquela época, nunca havia sido vista no rio que corta a cidade, o Ribeira de Iguape. Soube-se que a Companhia Brasileira de Alumínio, a CBA, braço do Grupo Votorantim, pretendia construir uma usina hidrelétrica na região, denominada Tijuco Alto. Com a barragem, seriam alagadas áreas dos municípios de Ribeira, Itapirapuã Paulista (ambas em São Paulo), Adrianópolis, Doutor Ulysses e Cerro Azul (no Paraná)


Sob a ameaça de ter parte de seu território tomado pelas águas, a fazenda São Pedro foi vendida à CBA, e a família Woner foi forçada a deixar o local em 1992. O dinheiro do acerto de contas foi o suficiente para que comprassem o terreno do casebre onde vivem atualmente, no bairro de Ilha Rasa. Sem condições para plantar, o casal sobrevive com o dinheiro da aposentadoria de dona Margarida. Sem oportunidades de emprego na cidade, dois de seus rebentos tentam a vida em Curitiba. O terceiro filho permanece em Ribeira, desempregado. Mesmo ainda sem ainda ter sido construída, a barragem já atingiu a família Woner. E histórias como essas se repetem com frequência na região.


Palco do drama, o Vale do Ribeira constitui a maior área de preservação contínua de Mata Atlântica do Brasil - com cerca de 2,1 milhões de hectares do bioma. Situada ao sul do estado de São Paulo e ao norte do Paraná, a região possui um dos maiores complexos de cavernas do país, concentrando mais de 270 cavidades. A fauna e a flora locais abrigam diversas espécies em extinção. Parte de sua área está inserida no território da Mata Atlântica sudeste, tombada pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade, em 1999. Oito anos mais tarde, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou um projeto, de autoria do deputado Raul Marcelo (PSOL), que também tombava o Ribeira de Iguape, último grande rio sem barragem no estado. No ano seguinte, o governador José Serra (PSDB) o vetou.


Em contrapartida à riqueza natural, economicamente a região do Vale do Ribeira é a mais pobre do estado de São Paulo. Seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), 0747, é inferior ao do estado de Roraima, que figura 15 posições abaixo de São Paulo no ranking. Embora o plantio da árvore de pinus e a criação de gado venham crescendo expressivamente, as principais atividades econômicas da região ainda são o cultivo de banana, chá preto e a pesca. Nas estradas sinuosas que levam às cidades do Vale, áreas preservadas se misturam a partes tomadas pela monocultura de alguns desses itens.


"Não há uma proposta para a formação de profissionais para o turismo sustentável, que é uma das potencialidades da região", relata Tamara Carolina da Silva, funcionária do Posto de Informações Turísticas de Eldorado. No que diz respeito às políticas públicas voltadas às diferentes áreas, é senso comum entre os entrevistados que elas são quase inexistentes ou ineficazes por lá. "O Vale do Ribeira tem sido um laboratório de políticas públicas não muito bem-sucedidas", avalia Pedro Roberto Jacobi, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP. Para se conseguir um exame ambulatorial mais complexo, os moradores da região esperam meses. Só há uma universidade pública em todo o Vale do Ribeira, localizada no município de Registro.


A topografia acidentada e as diversas áreas de preservação ambiental não permitem que o Vale do Ribeira acompanhe a média de desenvolvimento das demais regiões do estado. Entre os moradores da área, é consenso que o local deve se desenvolver com base no turismo sustentável e na agricultura. Mas há divergências se esta última deve ser conduzida por pequenos agricultores ou por grandes proprietários.


Motivo de discussões que às vezes ultrapassam os limites verbais, a futura usina Tijuco Alto é vendida como a solução para os problemas locais. Mas há quem a veja como o golpe de misericórdia para o Vale.


O interesse da companhia brasileira de Alumínio pela barragem remonta a 1987, cinco anos antes da trágica reviravolta na vida da família Woner. Naquele ano, com o intuito de gerar energia para sua fábrica na cidade de Alumínio, localizada na região de Sorocaba (SP), a empresa solicitou a autorização para o projeto de Tijuco Alto junto ao extinto Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (Dnaee). Gerar 50% de sua energia é parte da política de desenvolvimento da CBA, que depende da eletricidade para fabricar produtos como telhas, chapas, bobinas e vergalhões de alumínio. A outorga para a obra foi concedida em 1988. Ignorando a legislação vigente, no ano seguinte a CBA deu entrada no licenciamento diretamente em São Paulo e no Paraná. Por se tratar de um rio federal, que pertence aos dois estados, o procedimento deveria ser feito através do Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis). Mesmo assim, já em 1993 aconteceram as primeiras audiências públicas acerca do empreendimento. Somente cinco anos mais tarde a empresa, pertencente ao Grupo Votorantim, reconheceu a competência do órgão e iniciou o processo junto a ele.


Assim que a CBA deu entrada no licenciamento da obra, em 1989, a população da região se organizou em torno do MOAB, o Movimento dos Ameaçados por Barragens, resistência popular que há mais de 20 anos luta contra o desenvolvimento do projeto. À época, outras três usinas - estas não pertencentes ao Grupo Votorantim - assombravam a região: Itaóca, Funil e Batatal. Seus projetos estão atualmente parados, mas elas ainda são vistas como um perigo latente. "Não temos dúvidas de que se construírem Tijuco Alto, que está mais avançada, isso abrirá precedente para as demais usinas", afirma a freira Angela Biagioni, militante do MOAB desde 1990. O bairro onde Ângela mora em Eldorado, Vila Nova Esperança, seria justamente o local onde os trabalhadores ficariam abrigados durante a construção da hidrelétrica de Batatal.


Após uma série de eventos, incluindo dois EIA/ RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental), em 1997 e 2003, que foram reprovados pelo Ibama, a CBA foi obrigada a apresentar um novo estudo, o que só foi ocorrer em outubro de 2005. Nesse meio-tempo, a população local, que seria a principal afetada pela barragem, não era informada e tampouco consultada acerca do andamento do processo. Pelo contrário: segundo relatos, os moradores da região estariam sendo ludibriados pela empresa.


A cerca de 70 quilômetros de Ribeira está localizada a comunidade quilombola de Pedro Salu. Uma das habitantes, Plarinda Andrade de Matos, 50 anos, se recorda que no início dos anos 2000 - mais de uma década após o processo de licenciamento da hidrelétrica ter se iniciado -, representantes da CBA tenta ram contato com os moradores do local. "Depois que umas moças do Ministério Público de São Paulo e da Secretaria do Meio Ambiente de Brasília passaram por aqui para falar do mal que a obra poderia trazer, eles [representantes da CBA] apareceram. Falaram que não era pra acreditar nas moças, que a obra não ia atrapalhar nada. Vieram tapear a gente. Mas a gente já tava informado", ela relata.


Tijuco Alto não afetaria diretamente a comunidade de Plarinda, mas ela teme o impacto que a usina pode causar em toda a bacia hidrográfica do Ribeira de Iguape. Segundo um relatório emitido em 1993 pela Cetesb (Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental), a obra da usina, entre outros prejuízos, pode colaborar para a contaminação das águas por metais pesados - o rio já está contaminado por chumbo -, além de diminuir a produção pesqueira, alagar uma área de 11 mil hectares e inundar duas cavernas.


A inundação dessas cavidades, aliás, é um dos motivos pelos quais a licença para a obra ainda não foi concedida. O outro motivo é relacionado à revalidação do direito ao uso dos recursos hídricos do rio, que depende da aprovação da Agência Nacional de Águas (ANA).


No início dos anos 90, o agricultor Miguel Woner também foi procurado pela CBA. "Me prometeram dois alqueires de terra com água, luz elétrica e três anos de supermercado pago", ele conta. Além disso, Miguel recorda que a CBA chegou a patrocinar um churrasco e uma viagem para ele e outras pessoas da região até São Paulo. Na ocasião, eles teriam ido participar de uma manifestação em prol da barragem.


"Nessa época, eles [a CBA] precisavam de apoio popular, queriam vender o peixe de qualquer jeito, prometiam de tudo", avalia José Roberto Pereira (PT), um dos nove vereadores do município de Ribeira e um dos principais opositores ao projeto, que afirma que a cidade teve uma considerável evasão populacional desde a ameaça da barragem. Atualmente com cerca de 3,5 mil moradores, Ribeira já chegou a ter quase cinco mil habitantes. "A maior parte das pessoas foi embora por conta dessa história da usina", denuncia o vereador. "A CBA já tem essa dívida com a gente."


Pereira alega que, no fim dos anos 80, com os rumores de que a barragem inundaria diversas propriedades, os moradores começaram a vender suas terras a preços até três vezes inferiores aos praticados. Ele conta que atravessadores as compravam e, em vez de registrá-las em seus nomes, tornavam-se procuradores e as vendiam direto para a empresa do Grupo Votorantim.


"Tinha gente que andava a cavalo com uma máquina de escrever pendurada só pra comprar terra na zona rural e revender para a CBA. A população não sabia direito o que tava acontecendo. Todo mundo se sentia ameaçado e, com medo de perder a propriedade, vendia ela por qualquer valor", relata Pereira. "Lá por 1994, 95, o pessoal começou a perceber as falcatruas e a vender por um preço melhor. Quando a propriedade pertencia a um posseiro que não tinha a documentação regularizada, a empresa oferecia um emprego para a pessoa e fazia ela mudar para perto do trabalho. O cara ficava uns cinco, seis meses na empresa e depois era mandado embora. Era o tempo necessário para a CBA comprar o terreno direto com o proprietário de papel passado, que, pela lei, já tinha perdido os direitos da terra por usucapião. Muitas das pessoas que foram vítimas disso hoje vivem em favelas, como a [Vila] Zumbi, em Curitiba."


Leonardo Guerra Lourenço Gomes, da controladoria da Votorantim Energia, setor responsável pelo projeto, aceitou conversar com a reportagem por telefone, mas desistiu da ideia logo no início da entrevista. Procurada durante mais de dois meses para falar sobre o assunto, a empresa não negou as denúncias do vereador. Sobre elas, a CBA, por meio de sua assessoria de imprensa, se restringiu a afirmar que adquiriu 377 imóveis de 286 proprietários, somando cerca de 60% das terras necessárias ao empreendimento. A legislação vigente até 1999 determinava que o empreendedor deveria comprar ao menos 70% das terras a serem utilizadas. A atual legislação, no entanto, proíbe que a empresa faça isso antes de a licença de instalação ser emitida.


Não podendo mais comprar terras, a CBA vem financiando a campanha de diversos políticos da região. Na eleição passada, a empresa do Grupo Votorantim doou um montante de R$ 100 mil a diversos candidatos a prefeito das cidades do Vale do Ribeira. Nos municípios de Ribeira e Adrianópolis, por exemplo, candidatos rivais receberam doações da Companhia. João Manoel Pampanini, atual prefeito da cidade paranaense, foi beneficiado com a verba. Gidioni de Oliveira Macedo, prefeito de Ribeira, também. Ambos são filiados ao PT. Em Eldorado, onde está sediado o MOAB, José Arai da Selva Soares (PMDB) recebeu R$ 6 mil da empresa, sendo o único vereador da região a se beneficiar com uma doação da CBA.


Através de sua assessoria, a empresa afirmou que "as doações a partidos políticos e seus candidatos são instrumentos legítimos que fortalecem o processo eleitoral e as instituições democráticas do país".


Carregando um histórico de falta de diálogo e atitudes questionáveis, a CBA realizou novas audiências públicas em julho de 2007. Dessa vez, com o aval do Ibama. Os eventos aconteceram nos municípios de Cerro Azul, Adrianópolis, Ribeira, Registro e Eldorado.


Miguel Woner esteve na audiência em Ribeira, mas, apesar de ser contra a obra, não se manifestou: "Eu ia levantar no meio de um povão daquele? Não tenho cultura de nada, não sei nem conversar direito, ia falar o quê?", desculpa-se.


"Mesmo tendo subutilizado o microfone, a população presente nos eventos foi massivamente contrária ao projeto", afirma a freira Angela Biagioni.


Antes e depois das audiências, foram protocolados vários documentos de apoio e repúdio à obra. Os favoráveis vêm de organizações como a Associação dos Bananicultores do Vale do Ribeira e do Sindicato Rural de Registro. Já os contrários foram protocolados por entidades como a Associação Sindical dos Trabalhadores da Agricultura Familiar da Região do Vale do Ribeira (ASSTRAF), pelos participantes da assembleia popular Luta pela Terra no Vale do Ribeira e pelas comunidades quilombolas da região


As principais críticas ao EIA/RIMA dizem respeito ao fato de ele não levar em conta a mata nativa, que se regenerou após a população abandonar o local, e à própria estrutura do estudo, que é feito por uma empresa contratada pelo empreendedor. "Eu até concordo que a Companhia é que deve bancar o projeto, mas ela não deveria poder escolher a empresa que vai fazer o estudo", contesta o vereador José Roberto Pereira.


Além do MOAB, mais de dez entidades, entre sindicatos de trabalhadores rurais, associações quilombolas, organizações ambientais e colônias de pescadores, se opõem à barragem. Todos questionam a abrangência dos danos ambientais da obra e os prejuízos que ela pode acarretar aos moradores. Mesmo com a população organizada sendo majoritariamente contra o projeto, o Ibama emitiu um Parecer Conclusivo favorável ao mesmo em fevereiro de 2008. No documento, o órgão afirma "que o empreendimento UHE Tijuco Alto apresenta aspectos positivos que podem ser potencializados, e impactos negativos que podem ser evitados, mitigados ou compensados pela implementação dos programas ambientais adequados [sic]".


No mesmo período, o Departamento de Avaliação de Impacto Ambiental (DAIA) da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo emitiu um parecer técnico com diversas críticas ao Estudo de Impacto Ambiental. Uma delas diz respeito ao Programa de Controle Ambiental das Obras apresentado no estudo, considerado "muito genérico e superficial". Além disso, por meio de seu parecer, o DAIA afirma que "alguns impactos não foram devidamente avaliados, e para alguns impactos não foram propostas medidas mitigadoras/compensatórias adequadas". Outra observação aponta ainda que "em função de escala de trabalho e de nível de detalhamento do projeto [o EIA] não permite uma apreciação mais profunda dos impactos ambientais do empreendimento".


Para o professor Jacobi, o maior problema de Tijuco Alto é, de fato, o impacto ambiental da obra. "Esse aspecto não pode ser negligenciado", ele alerta.


Atualmente, não se sabe ao certo se o projeto de Tijuco Alto será levado adiante. Em uma certa noite de sexta-feira, em uma pastelaria no centro de Eldorado, município onde está a sede do MOAB e a famosa Caverna do Diabo, a incerteza ficou mais clara. Por lá,Antonio e Wagner, os irmãos que são proprietários e funcionários do estabelecimento, não sabem dizer se a usina vai ser mesmo construída e evitam falar sobre o assunto. Ao se sentir mais à vontade, no entanto, Antonio deixa seu posicionamento implícito: "Tem que ver pra quem que é essa usina, né? Essa energia vai pra quem? Para as cidades da região é que não vem". De fato, apesar de fazer parte do SIN (Sistema Integrado Nacional), a princípio toda a produção de Tijuco Alto seria destinada à fábrica da CBA, em Alumínio.


Já o empresário Antonio Cunha, dono de uma pousada na região, diz acreditar que a barragem atrairia mais turistas, geraria mais empregos e colaboraria para o desenvolvimento do Vale, que é a parte mais pobre do estado de São Paulo. "O MOAB e os quilombolas é que emperram a usina", reclama. Cunha ainda menciona o controle das cheias nos municípios que ficam rio abaixo como uma das vantagens da barragem. Em seu parecer, o Ibama também destaca esse aspecto como um dos benefícios que a obra pode levar ao Vale. E esse é, de fato, um ponto importante para a região, que ainda guarda amargas lembranças da enchente que a assolou em 1997. Mas apesar de essa ser a benfeitoria mais palpável do empreendimento, ela é pouco citada pelos entusiastas da barragem, que centram o foco de seus discursos no desenvolvimento econômico - um aspecto sedutor em se tratando da região mais pobre do estado mais desenvolvido do país.


Com base em estudos feitos pela própria CBA, a ONG Instituto Socioambiental (ISA) aponta que a ideia de que a obra impulsionará o desenvolvimento da região é questionável. Durante a construção da barragem, que levará cinco anos, deve haver um pico de ofertas de emprego que abarcará 1,5 mil pessoas. Mas apenas cerca de 150 desses empregados serão moradores das cidades vizinhas. Concluído, o empreendimento deverá gerar apenas 123 vagas de trabalho, em sua maioria ocupadas por técnicos - os quais, geralmente, vêm de fora. Além disso, a vinda de mais de mil trabalhadores de outras áreas pode ocasionar, a médio e longo prazo, uma série de problemas. Inicialmente, deve haver uma movimentação dos setores de comércio e serviços dos municípios da vizinhança, aquecendo a frágil economia local. Após o fim da obra, porém, há o risco de muitas dessas pessoas se instalarem na região. "Isso pode sobrecarregar os serviços públicos. A gente não tem hospital, escola, nem emprego permanente pra esse povo todo. Depois da barragem eles vão fazer o quê?", questiona o vereador Pereira.


"A construção de uma hidrelétrica é temporária", complementa o professor Jacobi. "Ela utiliza mão de obra durante um tempo e depois acaba. Pensar o desenvolvimento em cima disso é errado, pode criar uma lógica urbana parasitária, que não tem condições de se desenvolver." Para ele, um dos caminhos possíveis para o desenvolvimento socioeconômico da região é o fortalecimento das cooperativas e melhores condições para que os pequenos agricultores e as pessoas de baixa renda obtenham créditos.

Enquanto não é tomada a decisão sobre se a obra acontecerá ou não, as incertezas pairam sobre os moradores do Vale do Ribeira. Em relação ao comportamento da população no que diz respeito à barragem, a tendência é que os mais abastados se posicionem favoravelmente e os mais pobres sejam contrários. Essa lógica faz algum sentido se levarmos em conta as histórias do empresário Antonio Cunha e do agricultor Miguel Woner. A pousada do primeiro é uma das mais bem equipadas da região. A casa do outro mal tem um quintal. Além da questão de classe, os dois diferem no que diz respeito à trajetória de Tijuco Alto. Para Antonio, o projeto trará o progresso. Para Miguel, assim como para muitos outros habitantes, já causou prejuízo.