Reunido em Campo Grande (MS), no dia 22/11, o CDDPH aprovou o relatório da Comissão Especial que analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no processo de implantação de barragens no Brasil. O presidente do Conselho e Secretário Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, parabenizou a Comissão e considerou seu trabalho “árduo e histórico”. O Relatório Final possui uma parte dedicada às recomendações e considerações gerais para garantia e preservação dos direitos humanos dos atingidos por barragens e outra referente ao companhamento das denúncias dos casos acolhidos pela Comissão Especial. A saber: UHE Canabrava, UHE Tucuruí, UHE Aimorés, UHE Foz do Chapecó, PCH Fumaça, PCH Emboque e Barragem de Acauã. Segundo o relatório, “os estudos de caso permitiram concluir que o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado de maneira recorrente graves violações de direitos humanos, cujas conseqüências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual”. A comissão identificou, nos casos analisados, um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados, dentre os quais, merecem destaque o direito à informação e à participação; direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito à plena reparação das perdas. Entre os principais fatores, apontados pelo relatório, que causam as violações de direitos humanos na implantação de barragens estão a precariedade e insuficiência dos estudos ambientais realizados pelos governos federal e estaduais, e a definição restritiva e limitada do conceito de atingido adotados pelas empresas. Segundo a coordenação do MAB, o relatório só confirma as denúncias que o movimento vem fazendo há anos. “Agora, iremos realizar encontros para debater o conteúdo do relatório com os atingidos por barragens de todo o Brasil e discutir o que faremos para pressionar para que se apliquem ações de reparação. Além disso, iremos sugerir que o próximo trabalho da Comissão seja um estudo sobre as violações dos direitos das mulheres nas áreas de construção de barragens”, afirmou a coordenação. Recomendações A comissão recomendou a adoção de mais de 100 medidas para garantir e preservar os direitos humanos dos atingidos por barragens e evitar novas violações. De acordo com o representante do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão, João Aquira Omoto, a aprovação do relatório é de extrema importância, pois é o reconhecimento do Estado de uma situação que estava se perpetuando sem que houvesse, de fato, medidas e propostas pra resolvê-la. “De posse do relatório aprovado, nos reuniremos internamente no MPF para saber de que maneira vamos nos organizar para cobrar dos órgãos do Estado o atendimento a essas recomendações”, afirmou o procurador. Em nota, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) agradeceu o trabalho da Comissão Especial, manifestando seu profundo respeito e consideração com todas as pessoas que participaram da elaboração do relatório. Além disso, o movimento pediu para que todas as instituições que participaram da Comissão fizesse o possível para exigir a implementação das reparacões e sugestões propostas. Veja um resumo das principais recomendações: Concessão Pública, Licenciamento ambiental, Cadastro de atingidos, desapropriações e BNDES O relatório recomenda profundas mudanças nos procedimentos de concessão pública e licenciamento ambiental (ambos a cargo dos governos federal e estadual), como a de que os estudos, os cadastros sociais de atingidos e desapropriações sejam de responsabilidade do poder concedente (governo federal e estadual) e pagos pelas empresas. Em relação ao BNDES e agências públicas nacionais de financiamento, o relatório recomenda que criem requisitos e salvaguardas sociais e ambientais específicas para contratos de empréstimos para a implantação de barragens, bem como mecanismos para que a sociedade civil possa acompanhar e controlar seu cumprimento, a exemplo do que já fazem agências multilaterais. Comissão Nacional de Reparação dos Atingidos por Barragens O relatório propõe que a Secretaria Especial dos Direitos Humanos constitua uma Comissão de Reparação, com a participação de outros órgãos governamentais, Ministério Público, Defensoria Pública e representação da sociedade civil para acolher, avaliar e julgar solicitações de reparação, individuais e coletivas, que lhes sejam encaminhadas no prazo de 12 meses a partir de sua instalação. Planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social das regiões impactadas Além das reparações individuais ou coletivas devidas, a comissão propôs que todos os projetos devem contemplar planos de recuperação e desenvolvimento econômico e social (custeados pelas empresas proprietárias das barragens), com o objetivo essencial de recompor as cadeias produtivas locais e regionais que assegurem ocupação produtiva ao conjunto dos atingidos. Melhoria das condições de vida A constatação da comissão nos casos analisados é a de que após a construção das barragens as pessoas vivem em condições de vida piores do que viviam antes. Por isso, recomenda a ANEEL, ao Ministério de Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética, ao Ministério da Integração Nacional, a ANA, ao Ministério do Meio Ambiente, ao IBAMA e aos órgãos ambientais estaduais que condicionem autorizações, concessões e licenças à garantia de que grupos sociais, famílias e indivíduos terão acesso a meios que assegurem a melhoria contínua de suas condições de vida. Direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais O relatório recomenda a regulamentação do artigo 231, par. 6º, da Constituição Federal e o estabelecimento das regras e procedimentos para a indispensável participação e manifestação direta de populações tradicionais, quilombolas e indígenas em processos decisórios e de obtenção do prévio, livre e informado consentimento, sempre que estiver em jogo a implantação de barragens em seus territórios, nos termos da Convenção OIT 169. Setor de Comunicação – MAB
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Aprovado relatório que aponta violação dos direitos humanos em barragens
terça-feira, 26 de outubro de 2010
O Gigante NÃO está dormindo...
Estamos acompanhando os passos da CBA aqui no Vale...
quinta-feira, 22 de julho de 2010
MAB lança vídeo sobre a resistência dos povos do Xingu
O Movimento dos Atingidos por Barragens historicamente tem resistido contra a construção de barragens e lutado pela garantia dos direitos dos atingidos. Com a ameaça de Belo Monte, mais uma vez se faz necessário e urgente denunciar que a água e a energia não são mercadorias e que a vida do povo e do meio ambiente deve ser respeitada. Neste sentido, produzimos o vídeo que retrata a luta e a resistência dos povos do Xingu contra Belo Monte. O vídeo foi dirigido e editado pelo cineasta italiano Andrea Rossi, diretor do filme “O Chamado do Madeira”. http://www.mabnacional.org.br/noticias/190710_video_xingu.html
quarta-feira, 23 de junho de 2010
EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE BRASILEIRO E DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS SAUDÁVEIS: NÃO AO SUBSTITUTIVO DO CÓDIGO FLORESTAL!
No último dia 09 de junho de 2010, o Dep. Federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP) apresentou o seu relatório à Comissão Especial, criada na Câmara dos Deputados, para analisar o Projeto de Lei nº. 1876/99 e outras propostas de mudanças no Código Florestal e na Legislação Ambiental brasileira. O referido relatório, de mais de 250 páginas, apresenta a proposta de substituição do Código Florestal (Lei nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965).
Apesar de ser de 1965, o Código Florestal é bastante atual, pois está baseado em uma série de princípios que respondem às principais preocupações em torno do uso sustentável do meio ambiente.
Nesse sentido, as entidades populares, agrárias e ambientalistas, reconhecendo a necessidade de atualizar as leis, sempre defenderam o aperfeiçoamento do Código Florestal, especialmente para adequá-lo à realidade da agricultura familiar e camponesa. Há a concreta necessidade de se criar regulamentações que possibilitem ao Código atender às especificidades da agricultura familiar. Além disto, é essencial uma série de políticas públicas de fomento, crédito, assistência técnica, agroindustrialização e comercialização, as quais garantirão o uso sustentável das áreas de reserva legal e proteção permanente.
Estas mudanças, no entanto, são muito distintas das propostas no Projeto de Lei (PL). Isso porque, segundo cálculos de algumas entidades da área ambiental, a aplicação do mesmo resultará na emissão entre 25 bilhões a 30 bilhões de toneladas de gás carbônico só na Amazônia. Isso representa em torno de seis vezes a redução estimada de emissões por desmatamento que o Brasil estabeleceu como meta. Consequentemente, esta emissão impediria o país de cumprir esta meta assumida na conferência do clima de Copenhague.
Podemos afirmar que todo o texto do Projeto de Lei é insatisfatório, privilegiando exclusivamente os desejos das forças mais arcaicas do Brasil: os latifundiários. Dentre os principais pontos crítico do PL, podemos citar:: anistia completa aos desmatadores; a abolição da Reserva Legal para agricultura familiar; a possibilidade de compensação desta Reserva fora da região ou da bacia hidrográfica; e a transferência do arbítrio ambiental para os Estados e Municípios.
Primeiro, de acordo com o substitutivo, a responsabilidade de regulamentação ambiental passará para os estados. É fundamental entendermos que os biomas e rios não estão restritos aos limites de um ou dois Estados, portanto, não é possível pensar em leis estaduais distintas capazes de garantir a preservação dos mesmos. Por outro lado, esta estadualização representa, na prática, uma flexibilização da legislação, pois segundo o próprio texto, há a possibilidade de redução das áreas de Preservação Permanentes em até a metade se o estado assim o entender.
Em segundo lugar, o Projeto acaba por anistiar todos os produtores rurais que cometeram crimes ambientais até 22 de julho de 2008. Os desmatadores que descumpriram o Código Florestal terão cinco (5) para se ajustar à nova legislação, sendo que os mesmos não poderão ser multados neste período de moratória e ficam também cancelados embargos e termos de compromisso assinados por produtores rurais por derrubadas ilegais. A recuperação dessas áreas deverá ser feita no longínquo prazo de 30 anos!
Em terceiro lugar, o Projeto desobriga a manutenção de Reserva Legal para propriedades até quatro (4) módulos fiscais, as quais representam em torno de 90% dos imóveis rurais no Brasil. Essa isenção significa, por exemplo, que imóveis de até 400 hectares podem ser totalmente desmatados na Amazônia – já que cada módulo fiscal tem 100 hectares na região –, o que poderá representar o desmatamento de aproximadamente 85 milhões de hectares. É fundamental entendermos que a Constituição Federal estabeleceu a Reserva Legal a partir do princípio de que florestas, o meio ambiente e o patrimônio genético são interesses difusos, pertencente ao mesmo tempo a todos e a cada cidadão brasileiro indistintamente. E é fundamental ter claro que nenhum movimento social do campo apresentou como proposta essa abolição da RL, sempre discutindo sobre a redução de seu tamanho (percentagem da área total, principalmente na Amazônia) ou sobre formas sustentáveis de exploração e sistemas simplificados de autorização para essa atividade.
Ainda sobre a Reserva Legal, o texto estabelece que, nos casos em que a mesma deve ser mantida, a compensação poderá ser feita fora da região ou bacia hidrográfica. Além disso, esta recomposição poderá ser feita por meio do plantio de espécies exóticas. Isso significa que a supressão de vegetação nativa pode ser compensada, por exemplo, por monoculturas de eucaliptos, pinus, ou qualquer outra espécie, descaracterizando o bioma e empobrecendo a biodiversidade.
O Projeto de Lei traz ainda uma conseqüência nefasta, ou seja, a anistia dos desmatadores ou a isenção em respeitar o mínimo florestal por propriedade, destrói a possibilidade de desapropriação daquelas propriedades que não cumprem a sua função ambiental ou sócio-ambiental, conforme preceitua a Constituição Federal em seu art. 186, II.
Em um momento onde toda a humanidade está consciente da crise ambiental planetária e lutando por mudanças concretas na postura dos países, onde o próprio Brasil assume uma posição de defesa das questões ecológicas nacionais e globais, é totalmente inadmissível que retrocedamos em uma legislação tão importante como o Código Florestal. É inaceitável que uma legislação de 1965 seja mais moderna, ética e preocupada com o futuro da sociedade brasileira do que uma proposta de 2010.
A proposta do deputado Aldo Rebelo atenta violentamente contra a sua história de engajamento e dedicação às questões da sociedade brasileira. Ao defender um falso nacionalismo, o senhor deputado entrega as florestas brasileiras aos grandes latifundiários e à expansão desenfreada do agronegócio. Ao buscar combater supostas influencias de ONGs internacionais, se esquece que na realidade que é internacional é o agronegócio brasileiro, subordinado ao capital financeiro estrangeiro e às transnacionais do setor agropecurário e agroquímico. A sua postura em defesa do agronegócio o coloca imediatamente contrário à agricultura camponesa e familiar, a qual diz defender.
Por isso, nós, intelectuais, artistas e organizações sociais abaixo-assinadas, exigimos a total rejeição do Projeto de Lei de autoria do deputado Aldo Rebelo.
VIA CAMPESINA
MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS SEM TERRA
MPA – MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES
MMC – MOVIMENTO DAS MULHERES CAMPONESAS
FETRAF – FEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA FAMILIAR
CIMI – CENTRO INDIGENÍSTA MISSIONÁRIO
CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
CNASI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE ASSOCIAÇÕES DOS SERVIDORES DO INCRA
Visita de Lula é marcada por protesto em Altamira
23 de junho de 2010 Fonte: Globo Rural
domingo, 13 de junho de 2010
Acampamento terra livre 2010 no Xingu
Decreto facilita hidrelétricas em unidades de conservação
terça-feira, 8 de junho de 2010
A energia hidréletrica não é limpa, nem barata
por Manuela Azenha O professor de pós-graduação em Energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP desmistifica os benefícios de o Brasil aproveitar o potencial energético dos rios da região Amazônica: “Belo Monte representa simbolicamente a possibilidade de transformar todo o territorio amazônico em um grande conjunto de jazidas de megawatts”. Célio Bermann foi assessor do Ministério de Minas e Energia durante os dois primeiros anos do governo Lula e se afastou em desacordo com o que considera desvirtuamento da política do governo para o setor. Crítico assíduo do planejamento energético brasileiro, Bermann não só rejeita a construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, mas propõe uma nova direção de desenvolvimento econômico para o país. Qual é a importância econômica da Usina de Belo Monte para o Brasil? Bermann: A importância da usina deve ser medida pela sua capacidade de produção de energia, pelo tempo que a energia produzida estará disponível para o consumo da sociedade e pelos problemas de ordem social e ambiental que essa usina representa, inclusive sob o ponto de vista de custos. A importância econômica da Usina de Belo Monte para o Brasil é negativa, porque ela vai custar muito. O governo fala em 19 bilhões de reais de investimento, mas as empresas envolvidas na obra, na fabricação dos equipamentos, dizem que a obra não sai por menos de 30 bilhões. Os problemas sociais e ambientais, muitos deles, não têm custo financeiro. Mas imagine a perda do valor cultural do rio Xingu, que é sagrado para as populações indígenas. E esse tipo de raciocínio não está incorporado na decisão de construir um empreendimento. A obra é superdimensionada, porque a quantidade de água para tocar a usina na capacidade proposta, de 11 mil MW (Itaipu produz 14 mil MW, para se ter uma idéia do tamanho da usina), estará disponível apenas três meses ao ano. Na época de estiagem, por exemplo, em setembro e outubro, a usina não vai produzir mais do que 1 mil MW. Então porque investir numa obra com essa dimensão se o retorno econômico/financeiro é baixo? Não é a toa que o capital privado desistiu de participar da construção. E porque então construí-la? Qual é o interesse do governo se não haverá esse retorno? Bermann: Eu vejo a obra de Belo Monte como um projeto de longo prazo. É preciso levar em consideração que mais da metade do chamado potencial hidrelétrico, para construir hidrelétricas no Brasil, está localizado na região amazônica, onde há problemas de ordens social e ambiental. O fato de ter esse potencial para a construção de hidrelétricas faz com o governo aponte para essa direção irreversível: a de construir essas usinas, custe o que custar. Porque isso? O que chama atenção, como sempre, é a perspectiva do apagão, de se ter falta de energia. Ninguém quer ficar sem energia elétrica. Então essa forma de propagandear, de alardear que vai ter apagão, faz com que se aceite usinas com essas características. Não é particularmente o governo Lula, porque essa obra está sendo pensada há 30 anos. O problema é que o governo Lula vai ficar na história como aquele governo que decretou o fim das populações indígenas e da cultura na região do Xingu. Para responder o por quê dessa obstinação do governo, é porque se conseguirem validar a construção da usina de Belo Monte, todas as outras usinas vão se validar também, principalmente no critério de impactos socio-ambientais. A Balbina (1) é conhecida como a pior concepção de hidrelétrica do mundo, porque ela está na planície amazônica, ocupa um reservatório enorme de mais de 2500 km2, para gerar 250 MW, sendo que a potência firme dela é de apenas 120 MW. Numa situação dessa, o critério lógico é abandonar o projeto. Isso não foi feito, na década de oitenta. De lá pra cá, aumentou o número de planos de hidrelétricas. Belo Monte representa simbolicamente a possibilidade de transformar todo o território amazônico em um grande conjunto de jazidas de megawatts. Embora frágil, com populações tradicionais que precisam ser respeitadas, populações indígenas que precisam ser consideradas, a perspectiva que Belo Monte aponta é de priorizar a geração de energia a partir das águas do rio Amazonas. E o resto? Bem, o resto é o resto. O Brasil tem um papel de protagonismo internacional em geração de energia limpa. No caso das hidrelétricas, temos enormes reservas de água que podem ser vantajosas para o país. Não se deve aproveitar essas vantagens? Bermann: O maior erro desta política energética que está sendo implementada é o fato dela se apoiar em inverdades. Uma delas é de que a energia hidrelétrica é limpa e barata. Ela não é. Estudos mostraram que Balbina, Tucuruí e Samuel, as três maiores hidrelétricas construídas na região amazônica até agora, emitem gases de efeito estufa mais ou na mesma proporção que usinas a carvão mineral. Isso pode parecer uma surpresa, mas nos primeiros dez anos de operação de uma usina da Amazônia, a matéria orgânica, a mata, ela apodrece porque a água a deixa encoberta permanentemente. E o processo de apodrecimento é muito forte, acidifica a água e emite metano, que é um gás 21 vezes mais forte que o gás carbônico, principal gás do efeito estufa. Isso é conhecido pela ciência mas não é considerado porque não é de interesse de quem concebe essas usinas. O que interessa é a grande quantidade de dinheiro que vai ser repassado para as empresas construtoras de barragens, turbinas e geradores. O restante, o problema ambiental, as populações que serão expulsas, a cultura indígena que está sendo desconsiderada, isso não entra na conta. Ainda não entendi porque construir essa usina se a energia é suja, cara e provoca todos esses impactos socioambientais. O Brasil precisa dessa energia ou não? Bermann: Se o Brasil persistir nessa direção de desenvolvimento econômico, sim. Mas é isso o que precisa ser mudado. No Brasil, 30% da energia gerada é gasta por empresas que consomem muito: fábricas de aço e de alumínio, principalmente. Todas as empresas presentes na Amazônia, e que usam a energia de Tucuruí, são produtoras de alumínio, que é exportado. Então é essa lógica que está por trás disso. Fala-se em crescimento econômico mas a fabricação industrial é direcionada para essa produção e para a exportação. Seguindo essa lógica, fatalmente o Brasil precisará de energia. O problema que precisa ser aberto para a população brasileira é se a gente quer um crescimento econômico com esse perfil. Ou se com a mesma energia disponível, não podemos produzir produtos que contenham mais tecnologia, mais mão de obra, que tenham maior valor agregado e aí sim, exportá-los. É o que o Japão faz. Na década de 80, todas as indústrias de alumínio foram fechadas. O Japão passou a importar o alumínio, transformá-lo em chips, para então vendê-los com um valor 20 vezes maior do que ele pagou pelo alumínio utilizado. É possível crescer economicamente gastando menos energia, se diversificarmos a nossa matriz energética para que ela não priorize a hidroeletricidade, como ela vem sendo priorizada hoje. É falsa a idéia de que ela é mais barata do que as outras. Colocado na ponta do lápis, esse custo de 30 bilhões da usina de Belo Monte será financiado pelo BNDES, com o nosso dinheiro, porque as empresas privadas não quiseram entrar. O banco público vai bancar 80% dos investimentos e pagar empresas privadas para construir a usina. E a energia elétrica, muito provavelmente, vai servir para ampliar esse perfil industrial eletro-intensivo. Vai vir alguma coisa para o consumidor residencial brasileiro, mas poderíamos conseguir essa energia diversificando as fontes, não tendo essa idéia de privilegiar grandes blocos de consumo, como esse tipo de indústria faz. A gente tem, na economia brasileira, demonstrações de que existem setores que atendem ao requisito de menor consumo de energia, maior tecnologia e maior incorporação de mão de obra. Então porque não insistir nessa direção? Bermann: Por exemplo, a fabricação de aviões. Dentro da pauta de exportação brasileira, é o que mais se sobressai, em termos de receita que advém da venda desses equipamentos. Não dá para persistir na idéia de um país da dimensão do Brasil, com as necessidades sociais que tem, como exportador de soja, de café, de açúcar, de etanol…Exportar aço, celulose, alumínio, é restringir a capacidade que o conhecimento brasileiro tem, a capacidade de trabalho que o país tem de consumir energia de uma forma mais inteligente, de uma forma que degrade menos a força de trabalho de sua gente e o meio ambiente. Você acha que a sociedade brasileira está a par do que está acontecendo na Amazônia? Bermann: É fundamental que a discussão das usinas hidrelétricas da Amazônia seja disseminada para que as idéias que hoje justificam essas obras possam passar pelo crivo da sociedade, e não apenas de especialistas, e aí eu me incluo, que mostram seu ponto de vista cientifico do por quê condenar o empreendimento dessas obras. O projeto brasileiro é de construir 28 usinas na região amazônica. Hoje tem quinze, mas de porte são Tucuruí, Balbina e Samuel. Desse conjunto que se pretende, mostra que 80% da capacidade de geração de energia elétrica prevista até 2020 vai vir de 28 usinas hidrelétricas da Amazônia. E a questão permanece: a que custos sociais e ambientais? Vale a pena? A gente não vai conseguir substituir a necessidade de energia de uma indústria de alumínio com o vento, ou com energia solar. Mas ela consegue suprir de uma forma diversificada parte da necessidade de consumo da população, de atividades de indústria de ponta, ou de comércio e serviços. Não devemos permanecer nessa dependência de grandes usinas hidrelétricas que custam caro, estão numa distância muito grande do consumo e representam do ponto de vista socio- ambiental, pesados óbices para um país como o Brasil aumentar a renda, a geração de emprego e melhorar a qualidade de vida da população. A renda no Brasil é absurdamente concentrada e os esforços recentes nessa direção ainda são pouco significativos frente à dimensão que hoje se estabelece. Metade da população ganha a mesma renda que 5% dos brasileiros. Isso mostra porque temos problemas de segurança, baixa escolaridade, baixa capacitação de mão de obra para se qualificar e se inserir no mercado de trabalho. É um conjunto de problemas que se verifica e que poderiam ser resolvidos a partir dessa redifinição do que se quer de um país e como a energia pode contribuir numa qualidade de vida mais elevada. O problema é que estamos muito longe dessa direção. Bermann: Para pequena escala serviria energia solar, dos ventos, dos resíduos agrícolas. A política energética atual tem incorporado essas alternativas de uma forma muito tímida, deveria ser multiplicada na sua escala. Alegam que essas energias alternativas são caras mas se a gente considera a hidroeletricidade com todos os problemas que eu apontei e com todos seus custos, elas passam a ser viáveis, e passam a potencialmente poder compor a cesta energética brasileira. Existe uma falsa questão na hidroeletricidade quando ela é comparada aos combustíveis fósseis e não tem uma vírgula sobre isso no projeto de Belo Monte. Eu estranhei o espaço que a usina de Belo Monte tem tido na mídia, nunca vi a imprensa defender tanto o meio ambiente. Você acha que existe uma questão política por trás dessa discussão? Bermann: Eu já estive muito próximo do governo Lula. Participei dos primeiros dois anos do governo como assessor de do Ministério de Minas e Energia. E me afastei por ver a direção que o governo Lula tomava e a sua forma de assegurar governabilidade, se aliando ao PMDB, particularmente à figura do senador Sarney. Isso implicou um redirecionamento político, inclusive nesse comportamento em relação às usinas hidrelétricas. Todo o staff hoje das empresas públicas elétricas é de homens do Sarney. Então a forma da oposição combater politicamente a obra de Belo Monte é em função do que é evidente, dos custos, dos problemas socio-ambientais, para com isso alimentar a crítica, mas que é de fundamento político, à obra. Eu nao vi ainda a oposição dizer que não construiria Belo Monte. Não vi o candidato de oposição se referir à usina de forma incisiva. Então eu vejo que o comportamento da mídia em relação à Belo Monte, que poderia resultar no envolvimento da sociedade com relação à usina e criar condições para que o governo revesse a decisão, foi usado muito na atitude de jogar pedra no telhado de vidro, quando eu suponho que seria o mesmo telhado se tivéssemos outro governo. Bermann: Deveria. Mas na construção de hidrelétricas, não se pensa no meio ambiente a longo prazo. Enquanto houver minérios na Amazônia, vamos aproveitar. Uma usina hidrelétrica dura até 100 anos. Nos EUA, quando as hidrelétricas já não funcionam mais, estão tentando recuperar a vida do rio, porque a vida do rio morre com a usina hidrelétrica. A água que corria agora fica parada, aumenta sua acidez, diminui o oxigênio, no lago começam a formar macrófitas (algas). São evidências de que a coisa não está indo no bom caminho se a gente pensa a longo prazo. A sociedade não está informada, não participa do processo decisório. Quem participa são essas pessoas que eu mencionei, com suas teias de interesse já definidas. O deputado que hoje está na frente de uma empresa de geração de energia elétrica pública, ele garante com esse tipo de articulação, caixas de campanha para a próxima eleição. Eles embolsam o dinheiro indiretamente, o que torna impossível de registrar, documentar e ser uma peça importante num processo judicial de apuração de responsabilidades. O Delfim Netto escreveu coluna na revista CartaCapital argumentando em defesa da construção da usina de Belo Monte. Segundo ele, os não índios na região se beneficiariam com a criação de emprego e a movimentação da economia. Termina a coluna citando uma frase que um jornalista publicou no Estadão : “As questões ambientais ou indígenas são vistas pelos locais como argumentos de quem tem sobrevivência garantida. Não é o caso de boa parte dos 60 mil habitantes de Altamira”. Bermann: A afirmação do Dep. Delfim Neto apenas confunde. A sobrevivência das populações tradicionais está e sempre esteve em permanente ameaça. A população urbana de Altamira tem vários problemas que não são enfrentados pelo município ou pelo estado. A ausência de políticas públicas acaba conduzindo a população carente a acreditar que a usina seria a redenção para a região. Como já havia sido, décadas atrás, a construção da Transamazônica. (1) A Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, começou a ser construída em 1973 no rio Uatamã e passou a funcionar em 1988.
E quais são esses setores?
Quais são as alternativas de geração de energia?
Um país subdesenvolvido pode ter um desenvolvimento sustentavel? Quer dizer, um país com tantas necessidades sociais quanto o Brasil pode pensar nesses termos a longo prazo?
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Usina de Problemas
Por Diego Dacax http://www.rollingstone.com.br/edicoes/42/textos/usina-problemas-grupo-votorantim-cba-hidreletricas/ Detentor da maior área de preservação contínua da mata atlântica brasileira e o pior idh de São Paulo, o Vale do Ribeira se divide entre a promessa de desenvolvimento e a ameaça socioambiental que a construção de uma usina hidrelétrica pode levar à região.