domingo, 30 de maio de 2010

Brasil está exportando os erros de Belo Monte e Jirau para o Peru

Representantes de organizações peruanas participaram de um encontro com autoridades do Itamaraty, na última quinta-feira (20), para questionar a assinatura de um acordo entre Brasil e Peru, voltado para a construção de mega-hidrelétricas na Amazônia peruana.

Fabíola Munhoz Amazonia.org.br, 25-05-2010.

O tratado, previsto para ser firmado em junho deste ano, abrange a construção de cinco usinas na floresta amazônica do Peru, a um custo de R$ 25 bilhões. As obras seriam realizadas por empreiteiras brasileiras, na ausência de consultas aos povos indígenas afetados e sem qualquer análise de impactos socioambientais.

Cesar Gamboa, que representa a organização peruana Derechos Ambientales y Recursos Naturales, participou da reunião com a diplomacia brasileira e concedeu uma entrevista exclusiva ao siteAmazonia.org.br. Na conversa, ele fala sobre os possíveis danos do acordo internacional energético e comenta sua participação do seminário "Políticas Públicas e obras de infra-estrutura na Amazônia: Cenários e desafios para a governança socioambiental", que aconteceu dos dias 20 a 21 de maio em Brasília.

Eis a entrevista.

Por que o senhor é contra o projeto de Brasil e Peru para a construção de hidrelétricas na Amazônia?

Tal como está o tratado energético, construindo hidrelétricas na Amazônia, seriam promovidos impactos diretos e indiretos aos ecossistemas amazônicos. Pelo menos no Peru, o tratado deveria passar pela aprovação do Congresso da República, mas as autoridades peruanas, que estão negociando o acordo com o Brasil, assinalam que é desnecessária a aprovação pelo Congresso, violando a Constituição do Peru. Com isso, possivelmente, assim que esse tratado entre em vigência, sem aprovação do Congresso, qualquer autoridade subnacional ou regional poderia declarar a inconstitucionalidade do tratado, gerando um clima de insegurança jurídica.

Que ações a organização que o senhor representa vem tomando na tentativa de impedir esse acordo energético?

Com relação ao tratado, estamos buscando diálogo com representantes do Ministério das Minas e Energia e do Itamaraty, para que possam escutar nossas preocupações com relação ao tipo de acordo e a possibilidade de construir hidrelétricas na Amazônia peruana. Mas eles não estão compreendendo a realidade dos possíveis impactos ambientais e sociais.

Desde a primeira versão do projeto, de março, houve algumas mudanças, mas consideramos isso uma maquiagem. Não foi uma mudança para assegurar que se evite qualquer possível impacto ao meio ambiente e às populações.

Quais serão os principais impactos negativos do acordo energético?

O caso mais emblemático diz respeito à empresa brasileira Eletrobras, que tem a concessão temporária da usina de Inambari, no Peru. Essa hidrelétrica afetaria todo o ecossistema do rio Inambari e provocaria o desalojamento involuntário das populações locais, que seriam afetadas pelo represamento e o alagamento de suas terras. E o governo brasileiro e suas autoridades também não compreendem o impacto desse possível acordo.

Organizações peruanas e brasileiras estão trocando informações sobre os erros que vêm sendo produzidos no Brasil por meio de Belo Monte[usina no rio Xingu (PA)], Jirau [usina no rio Madeira (RO)], e outros projetos hidrelétricos que funcionam há anos. E vemos que estão exportando esse modelo ao Peru. O importante é trocar informação e fazê-la chegar aos governos peruano e brasileiro.

Quais serão os próximos passos da luta contra o acordo?

Queremos saber que tipo de acordo será feito no dia 15 de junho, em Manaus, e dar ciência à opinião pública sobre esse texto e os seus possíveis impactos à Amazônia peruana, por meio de pronunciamentos, cartas, e também diálogo com os governos peruano e brasileiro.

A organização indígena Care [Central Ashaninka do Rio Ene], que vai ser afetada por uma hidrelétrica, cuja concessão temporária foi dada a uma empresa brasileira, vai fazer manifestações e pronunciamentos, que serão entregues aos funcionários da chancelaria brasileira. Na primeira semana de junho, também faremos pronunciamentos sobre os riscos desse possível acordo, que não inclui garantias ambientais e sociais.

No Peru, estamos solicitando aos governos subnacionais que peçam na Justiça uma declaração de inconstitucionalidade do acordo. E é possível que isso aconteça. Pelo menos, alguns governos regionais têm expressado isso.

Qual a importância deste evento que reúne organizações peruanas e brasileiras para debater grandes empreendimentos na Amazônia?

O encontro é importante porque nos permite discutir em nível científico, jurídico e legal as implicâncias da governabilidade de projetos extrativistas e, agora, de infraestrutura na Amazônia, como um todo, não só do Brasil, do Peru, ou da Colômbia.

Discutimos essas ações na Amazônia, não só como espaço ecossistêmico de biodiversidade, mas também lugar onde vivem pessoas e povos, como os indígenas. Além disso, o encontro nos permite pensar estratégias para corrigir políticas públicas e práticas privadas e as ameaças que a Amazônia sofre, com a intervenção do homem e o projeto econômico, como vem acontecendo.

Você acredita que o governo peruano, assim como o brasileiro, não tem levado em conta os impactos ambientais de suas políticas voltadas à Amazônia?

O governo peruano prioriza dados de crescimento econômico, mas não está contabilizando os custos futuros que esse tipo de intervenção trará. É uma visão muito parcial da realidade. Estamos buscando que os empreendedores se sensibilizem e integrem esses custos sociais e ambientais na análise macroeconômica, em operações concretas, como projetos de infraestrutura.

Os governos chamados de progressistas, como são o Brasil e o Peru, priorizam a política econômica, mas não consideram aspectos essenciais, como são o meio ambiente e uma agenda sobre mudanças climáticas, e há na sua retórica política essa incoerência para as futuras gerações.

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