quarta-feira, 29 de abril de 2009

Nota de esclarecimento sobre a ocupação das eclusas e a prisão dos manifestantes, no Pará

Nós, movimentos sociais que estávamos mobilizados nas eclusas de Tucuruí (CPT – MST – MAB - FETAGRI – STR/Tucuruí – Colônia Pescadores Z32 – MOVIMENTO PESCADORES E MORADORES APA TUCURUÍ – ASSOCIAÇÕES), viemos por meio desta nota esclarecer alguns pontos referentes à nossa mobilização:

1- Historicamente, viemos sofrendo os impactos dos grandes projetos na região, sejam eles da hidrelétrica de Tucuruí, dos projetos de mineração, da pesca ilegal por grandes empresas, desmatamentos ilegais que ocasionam a grilagem de terras, a criminalização e morte de lideranças, problemas urbanos e assim por diante. Há tempos questionamos esses grandes projetos que causam inúmeros impactos sociais e ambientais sobre o povo e sobre o meio ambiente. Além disso, as políticas de mitigação desses impactos vêm sendo negadas tanto por parte das empresas privadas instaladas na região, como também pelos órgãos governamentais. Nesse sentido, há anos estamos pressionando através de muitas lutas, os responsáveis para que tenham um olhar sobre nossa região, e que atendam as nossas reivindicações. As poucas conquistas (quando acontecem) ainda são tímidas e não têm dado conta de nossas reais reivindicações.

2- Assim, mais uma vez nos mobilizamos para continuarmos as nossas reivindicações, uma vez que acordos acertados não estão sendo cumpridos e a lentidão dos processos de viabilização de projetos e políticas é constante no nosso cotidiano. Essa pauta é abrangente, envolve as organizações citadas acima e são remetidas aos governos municipal, estadual e federal. Muitos diálogos foram feitos, mas a concretização das propostas, infelizmente não se efetiva.

3- O estado do Pará é marcado historicamente pela gerência de partidos de extrema direita que utilizaram a força para a instalação dos projetos acima citados, sem a participação do povo, e além do mais, criminalizaram e mataram os que se opunham a tal modelo de desenvolvimento. Nesse sentido, viemos por meio deste, repudiar a iniciativa da direita (setores ligados a grande indústria, ao agronegócio, a partidos de extrema direita, a grilagem de terras, ao desmatamento e à pesca industrial) que tem criado uma ofensiva antidemocrática sobre o povo e ao governo popular do Estado do Pará, buscando deslegitimizar a democracia, o respeito aos movimentos sociais e a todo esse processo que vem sendo instalado no Estado a partir das últimas eleições.

4- Denunciamos aqui, as milícias armadas que se formaram no campo paraense, que matam nossas lideranças, que criminalizam os movimentos sociais, que estão a serviço desses setores, que criam um poder paralelo local, sem respeitar a lei e ordem pública e que buscam instalar (à base de força) sua política de expropriação das riquezas naturais e de geração de lucros extraordinários. Responsabilizamos esses setores pelas mortes de trabalhadores e trabalhadoras, e que travam o desenvolvimento da região em prol de seus objetivos particulares.

5- Na última sexta-feira cerca de 400 trabalhadores e trabalhadoras ocuparam as obras das eclusas do rio Tocantins, junto à hidrelétrica de Tucuruí. Os trabalhadores rurais protestavam contra a violência no campo e reivindicavam o avanço das negociações com a Eletronorte. Segundo liderança do MAB, desde 2004 os atingidos pela barragem de Tucuruí tentam assinar um convênio com a Eletronorte que beneficiaria mais de 900 famílias da região, com recursos para agricultura e criação de peixe em tanque-rede. No entanto, até agora, nenhum acordo foi firmado. Além disso, segundo dados da CPT, nos últimos três anos foram assassinados 14 lideranças rurais nessa região, em decorrência da luta pela terra. A última vítima foi Raimundo Nonato, liderança de Tucuruí, brutalmente assassinado na porta de casa, no dia 16 deste mês.

6- Domingo, dia 26 de abril, por volta de 6:00 horas, a polícia militar foi fazer averiguação no local e deu ordem de prisão por flagrante a 10 trabalhadores e trabalhadoras, sendo eles: Odércio Monteiro Silva, Manoel Raimundo Campelo de Lima Cardoso Pimentel, Domingos Ribeiro Garcia, Roquevan Alves Silva, Elzino Lopes Rodrigues, Dolindo Marçal Barros, Vamico Morais Wanzeler, Maria Edna Almeida Moreira, Esmael Rodrigues Siqueira e Aildo Ferreira Gonçalves. Além desses, ainda foram levados mais 8 trabalhadores/as sendo eles/as: Ajackson Correia dos Santos, Cipriano Farias de Souza, Acelino Pereira dos Santos, Cleuson Jorge Farias, Joniel Farias Nabiça, Francisco Ferreira Viana, José do Carmo da Trindade Pinto, Maria do Perpétuo Socorro Mendes de Souza para fazer boletim de ocorrência na delegacia de Tucuruí e que na seqüência deveriam ser liberados. Todavia, com arbitrariedade o delegado local (segundo ele estava cumprindo ordens da Governadora do estado), também encaminhou-os para Belém.

7- O primeiro grupo detido, antes de serem encaminhados para Belém, foram levados pelos policias para fazer um desfile por toda a cidade de Tucuruí mostrando o “prêmio” que tinham conquistado/capturado cedo pela manhã. Todos foram encaminhados para a DIOE - Divisão de Investigações de Operações Especiais.

8- Chegaram em Belém por volta das 16:00 hs do domingo, onde foram interrogados e estão sendo acusados por: seqüestro – artigo 148; esbulho possessório - artigo 161; destruir, inutilizar ou deteriorar coisas alheias – artigo 163; incitação ao crime – artigo 286; resistência - artigo 329; desobediência – artigo 330; atentado contra segurança de serviço de utilidade pública - artigo 265; formação de quadrilha - artigo 288; invasão de estabelecimento industrial, comercial ou agrícola/sabotagem- artigo 202; incêndio -artigo 250 e extorsão - artigo 158.

9- Permaneceram no local sem direito a alimentação, nem condições sanitárias. Somente mais tarde foram encaminhados para a Seccional Cabanagem e na seqüência para o Presídio Americana, onde permanecem até o momento.

10- Os movimentos estavam legitimamente reivindicando seus direitos humanos, sociais, culturais e ambientais ignorados a 25 anos pela Eletronorte, Eletrobrás e Ministério das Minas e Energia que só buscam beneficiar as empresas eletrointensivas em detrimento do povo trabalhador que mesmo às margens do lago de Tucuruí até hoje muitos, não têm acesso a energia elétrica. Velha prática de descartar as populações locais e criminalizar os movimentos sociais que defendem os direitos humanos. Porque a polícia, ao invés de atacar manifestantes que estão acampadas exigindo seus direitos, não vai atrás de assassinos e mandantes que vitimaram as lideranças sindicais e permanecem impunes?

11– Os trabalhadores do Pará precisam de justiça social e do combate a impunidade. Quando falam de danos ao patrimônio público não consideram que o maior patrimônio é composto pelas pessoas com seus direitos respeitados e garantidos e não é isso que a Eletronorte e as empreiteiras têm mostrado na execução dos seus projetos e dos seus interesses.

12- Exigimos que os governos e as empresas responsáveis pelas obras cumpram a sua parte, atendendo as reivindicações e garantindo todos os direitos até então negados aos atingidos pela barragem de Tucuruí e suas eclusas.

(CPT – MST – MAB - FETAGRI – STR/Tucuruí – Colônia Pescadores Z32 – MOVIMENTO PESCADORES E MORADORES APA TUCURUÍ – ASSOCIAÇÕES)

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Nota de solidariedade aos manifestantes presos no Pará

Na manhã de ontem, dia 26 de abril, a polícia militar do estado do Pará entrou no acampamento da Via Campesina (MAB, MST, CPT) e de movimentos de pescadores, organizado nas obras das eclusas junto ao lago da UHE Tucuruí, e prendeu 14 pessoas que protestavam contra a violência no campo naquela região e reivindicavam o avanço das negociações com o governo federal e estadual e com a Eletronorte. A bastante tempo as famílias reivindicam recursos para agricultura, obras de infra-estrutura e criação de peixe em tanques-rede, no entanto, até agora não tiveram retorno sobre a implantação dos projetos.

Arbitrariamente, a polícia deu voz de prisão às lideranças, alegando que o acampamento estava em área de segurança nacional e de proteção ambiental. Entre os presos estão: Maria Edina Ferreira, Aildo Ferreira da Silva, Roquevan Alves Silva, Odercio Monteiro, Eusino Rodrigues Lopes e Vanico Wanzeller. O acampamento continua organizado próximo à barragem e os agricultores presos foram levados à Belém, para o Departamento de Inteligência da Polícia Civil Especializada.

Criada durante o regime militar na década de 70, a Usina Hidrelétrica de Tucuruí deslocou 32 mil pessoas e foi construída sem a realização de estudo e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima). Os movimentos sociais do Pará repudiam esta ação, que tem sido a prática da polícia no tratamento dos movimentos sociais, vêm a público denunciar a truculência da polícia militar do estado e pedir apoio das organizações e da sociedade em geral para que enviem moções e declarações de apoio às lideranças detidas (para@mabnacional.org.br) e notas de repúdio para as seguintes autoridades:

Governo Federal

Ministro da Justiça: Tarso Genro
E-mail: gabinetedoministro@mj.gov.br
Telefones: (61) 3429-3101 e (61) 3226-2296 / 2291 / 2089
Fax: (61) 3322-6817

Governo do Estado do Pará

Governadora: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa

Telefone: (91) 3201-5669 / 5587

Fax: (91) 3248-0133

Chefe da Casa Civil do Estado: Cláudio Alberto Castelo Branco Puty

E-mail: papaoangelo@hotmail.com / nrsc.palacio@yahoo.com.br

Telefones: (91) 3201-5568 / 5570 / 5576 / 5572

Secretário de Segurança Pública: Geraldo José de Araújo

E-mail: segup.pa@gmail.com

Telefones: (91) 3184-2500 / 2525 / 2555

Fax: (91) 3225-2644

Comandante Geral da Polícia Militar: Luiz Dário da Silva Teixeira

E-mail: seccomandopmpa@gmail.com / subcmdo@pm.pa.gov.br

telefones: (91) 3277-5668 / 5644

Fax: (91) 3277-5490

Eletrobrás

Director de Engenharia: Valter Luiz cardeal de Souza

E-mail: de@eletrobras.com

Telefone: (21) 2514-6425

Eletronorte

Diretor-Presidente: Jorge Nassar Palmeira
Telefone: (61) 3429-6101
E-mail: jorge.palmeira@eletronorte.gov.br

Diretoria de Planejamento e Engenharia: Adhemar Palocci
Telefone: (61) 3429-5300
E-mail: adhemar.palocci@eletronorte.gov.br

Diretor: Antonio Raimundo Coimbra

E-mail: acoimbra@eln.gov.br

Viva a Luta dos Trabalhadores!

Agradecemos as manifestações de todos.

CPT – MST – MAB - FETAGRI – STR/Tucuruí – Colônia Pescadores Z32 – MOVIMENTO DE PESCADORES E MORADORES - APA TUCURUÍ

Policia Militar prende 14 lideranças dos movimentos sociais do PA

Desde a última sexta-feira cerca de 400 integrantes Via Campesina (MAB, MST, CPT, movimento dos pescadores) estavam em mobilização, acampados nas obras das eclusas do lago da barragem de Tucuruí. Na manhã de hoje (26 de abril) a polícia foi ao local e prendeu 14 pessoas. Os trabalhadores protestam contra a violência no campo naquela região e reivindicam o avanço das negociações com o governo federal e estadual. As reivindicações da região foram entregues às autoridades ainda no final do ano passado.

Segundo informações, foi solicitado a policia militar fazer uma averiguação no acampamento. Ao chegar ao local, às 06 horas da manhã, a polícia considerou flagrante e prendeu 14 pessoas, entre elas: Maria Edina Ferreira, Aildo Ferreira da Silva, Roquevan Alves Silva, Odercio Monteiro, Eusino Rodrigues Lopes e Vanico Wanzeller. Alguns dos agricultores estão sendo levados à Belém para o Departamento de Inteligência da Polícia Civil Especializada. Os demais estão sendo identificados pela polícia na delegacia de Tucuruí.

Os manifestantes queriam uma reunião com os governos, marcada para a próxima terça-feira, dia 28 de abril. A negociação beneficiaria mais de 900 famílias da região com recursos para agricultura, obras de infra-estrutura e criação de peixe em tanques-rede.

A Usina Hidrelétrica de Tucuruí foi construída à quase 25 anos, durante a ditadura, e até hoje os atingidos pela barragem reivindicam direitos e obras para a melhoria das condições de vida nos municípios e comunidades que sofreram com o alagamento das terras e da floresta.Mais uma vez a solução para as empresas e Estado é a força policial”, dizem as lideranças. Segundo dados da CPT, nos últimos três anos foram assassinadas 14 lideranças rurais nessa região, em decorrência da luta pela terra. A última vítima foi Raimundo Nonato, liderança do Sindicato de Tucuruí, brutalmente assassinado na porta de casa, no dia 16 deste mês.

CPT – MST – MAB - FETAGRI – STR/Tucuruí – Colônia Pescadores Z32 – MOVIMENTO PESCADORES E MORADORES APA TUCURUÍ – ASSOCIAÇÕES)

terça-feira, 14 de abril de 2009

Oito barragens rompem em Altamira (PA)

14 de Abril de 2009 - 15h04 - Última modificação em 14 de Abril de 2009 - 16h00
Chuva e inundações podem deixar município paraense em situação de calamidade
Amanda Mota
Repórter da Agência Brasil

http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2009/04/14/materia.2009-04-14.9963254621/view

Manaus - A cidade de Altamira, no Pará, pode decretar estado de calamidade pública nos próximos dias, caso as chuvas e inundações registradas na região continuem a prejudicar os moradores. A Defesa Civil do estado confirmou que pelo menos 200 famílias ficaram desabrigadas após a forte chuva de domingo (12), que provocou alagamentos em 13 bairros da cidade e o rompimento de oito barragens. Pontes romperam-se e rodovias de acesso ao município também ficaram interditadas.

Segundo a Secretaria de Governo do Pará, aproximadamente 3 mil famílias foram atingidas pelas chuvas e inundações. Além disso, uma pessoa morreu e quatro estão desaparecidas. Altamira foi o município mais prejudicado com as chuvas do último fim de semana no estado.

O coordenador adjunto da Defesa Civil estadual, major Marcos Norat, informou que dez locais foram preparados para receber os desabrigados, entre eles, igrejas, sedes de associações de bairro e um parque de exposições. Além das famílias que ficaram desabrigadas, existem outras que poderão ser removidas de suas casas após o levantamento que está sendo feito para identificar áreas de risco. Bombeiros, soldados do Exército edas Polícias Militar e Civil também estão envolvidos nas atividades de apoio às vítimas.

Norat disse que está sendo feito um levantamento completo da situação e, até sábado (18), todos os dados sobre as ocorrências deverão estar consolidados. "Poderemos decretar situação de emergência ou de calamidade pública. Isso vai depender também da continuidade das chuvas”, disse ele, em entrevista à Agência Brasil.

A causa principal dos alagamentos pode ter sido o transbordamento do Igarapé Altamira, um dos dois que cortam a cidade. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também se prontificou a ajudar os moradores de Altamira com a doação de madeira. O material será encaminhado à prefeitura para construção de casas para as famílias desabrigadas.

A cidade de Altamira está localizada a 455 quilômetros da capital, Belém, na região do Xingu, sudoeste paraense. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população está estimada em 88,1 mil habitantes.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Entrevista com Célio Bermann - Professor da USP




06.04.2009
Brasil: um país cheio de energia. Mas qual é o destino de toda essa energia?
Entrevista especial com Célio Bermann


http://www.mabnacional.org.br/noticias/060409_energia_br.html

Discutir, de forma geral e unida, para mudar os paradigmas atuais. Essa é a alternativa dada pelo professor Célio Bermann em relação ao Plano Decenal de Energia, em vigor no Brasil, que planeja (e já está fazendo isso) ampliar a oferta de energia no país. No entanto, fica claro, pelas palavras de Bermann, que essa energia é para produção de produtos que, em grande parte, são destinados à exportação. Ou seja, estamos produzindo energia para gerar produtos que não ficam no Brasil. Para o professor, “a tendência de incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética, certamente, está indo na contramão da história”.

Nesta entrevista, realizada por telefone, Célio Bermann fala, fundamentalmente, do Plano Decenal de Energia, mas analisa-o de forma mais questionadora, levando em conta termos sociais, econômicos e ambientais. “O que está acontecendo, de forma geral, com o planejamento energético no nosso país, a meu ver, é que estamos submetidos ao que eu chamo de uma ditadura da oferta”, refletiu.

Célio Bermann é graduado em Arquitetura e Urbanismo, pela Universidade de São Paulo. Na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França), especializou-se em Histoire et Géographie des Populations. É mestre em Planejamento Urbano e Regional, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos, pela Universidade Estadual de Campinas. A USP também lhe concedeu o título de pós-doutorado e livre-docência. É nesta universidade que hoje atua como professor e pesquisador. É autor de Energia no Brasil: para quê? para quem? - Crise e alternativas para um país sustentável (São Paulo: Editora Livraria da Física/FASE, 2002) e Exportando a nossa natureza - Produtos intensivos em energia: implicações sociais e ambientais (Rio de Janeiro: FASE, 2004), entre outras obras.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Sendo o Brasil um dos países com maior possibilidade de ter uma matriz energética relativamente limpa e renovável, quais são as maiores discrepâncias desse Plano Decenal de Energia?

Célio Bermann – São várias as questões que envolvem a previsão de oferta de energia da forma como o Plano Decenal está hoje indicando. A primeira delas diz respeito à necessidade, e o plano explicita isso, de atendimento do mercado em curto prazo. Esse atendimento só é possível através das termelétricas a derivados de petróleo e a gás natural e, também, utilizando o carvão mineral. Esta necessidade é ditada pelo mercado, não pela população brasileira nem pelo órgão planejador do governo. E o fato de ela precisar atender uma demanda que é do mercado, a necessidade de energia a curto prazo, faz com que esta última previsão coloque com muita ênfase a termeletricidade a partir de combustíveis fósseis.

A segunda questão também está relacionada com o mercado que indica que as chamadas fontes renováveis são caras. Isto é, a produção de energia elétrica a partir dos ventos, da biomassa, de energia solar, é considerada não competitiva com as fontes tradicionais. Isso faz com que a aposta nas fontes renováveis seja também restrita.
E, por último, existe a questão relacionada com as chamadas energias renováveis relacionadas com hidroeletricidade. O plano prevê uma grande ampliação da capacidade hidrelétrica do Brasil. O problema é que esta capacidade de produção de energia elétrica, a partir dos rios, da água, está fundamentalmente localizada na região amazônica.

IHU On-Line – E o que está acontecendo em termos ambientais e sociais?

Célio Bermann – Como esta área comporta um grande chamado de Unidades de Conservação, uma grande quantidade de áreas consideradas indígenas, a produção de eletricidade nelas encontra um conflito que será superado apenas – e isso o plano não indica – através da priorização da produção de energia, em detrimento da conservação ambiental, da manutenção da cultura e dos territórios das populações tradicionais. Então, são esses os três aspectos que ajudam a entender o porquê desta oferta de energia elétrica para os próximos dez anos.

IHU On-Line – Com esse Plano Decenal de Energia, em sua opinião, se produz energia para o quê e para quem?

Célio Bermann – Se pegarmos a matriz de consumo setorial de energia elétrica no Brasil, praticamente 30% da energia é consumida pelos seis setores chamados de intensivos em energia. São eles: o cimento, a produção de aço, a produção de ferro-ligas (ligas a base de ferro), a produção dos metais não-ferrosos (principalmente, o alumínio primário), a produção de química e, finalmente, o setor de papel e celulose. Esses seis setores consomem 30% da energia produzida no Brasil. Destes seis setores, quatro – produção de aço, não-ferrosos, ferro-ligas, papel e celulose – são fundamentalmente destinados à exportação. Esses cálculos eu desenvolvi aqui no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP e mostram que praticamente 17,5% da energia elétrica no Brasil é destinada à exportação. Isto é, é uma energia elétrica que foi consumida pelas plantas indústrias eletrointensivas, e que são exportadas, incorpora a produção de energia a esses bens primários.

IHU On-Line – Estamos na contramão da história?

Célio Bermann – Depende do referencial que temos. Se pensarmos que, de certa forma, se consolida num plano internacional um esforço na direção de reduzir emissões de gases de efeito estuda e com isso reduzir a utilização dos combustíveis fósseis, uma matriz energética como a nossa, em que esta participação tende a aumentar, certamente é um indício de que estamos indo na direção contrária àquela que o contexto mundial hoje preconiza. Por outro lado, temos uma situação que nos favorece desta comparativa facilidade que o Brasil apresenta com relação a sua matriz energética. Ela é uma matriz energética em que as chamadas fontes energéticas renováveis são acentuadas em relação ao panorama internacional, o que nos permite deixar um pouco a vontade em relação aos esforços internacionais. Mas, eu repito, a tendência de incremento dos combustíveis fósseis na matriz energética, certamente, está indo na contramão da história.

IHU On-Line – A partir das suas críticas, podemos entender que, então, o Plano mostra uma submissão da política em relação ao mercado?

Célio Bermann – Antes dessa submissão ao mercado, o que está acontecendo, de forma geral, com o planejamento energético no nosso país, a meu ver, é que estamos submetidos ao que eu chamo de uma ditadura da oferta. Ao não se questionar a demanda, a oferta passa a ser a única forma de manutenção daquilo que podemos chamar de uma articulação entre o planejamento do governo e o mercado. A outra questão é a submissão do planejamento energético do nosso país ao que determina o mercado. Se o mercado fosse homogêneo, em que todos os seus agentes poderiam se expressar da mesma forma, teríamos, de alguma forma, uma situação de liberdade e democracia. Isso não acontece. O que temos em relação ao perfil de consumo energético brasileiro é uma priorização às grandes corporações internacionais, ao grande capital internacional e nacional.

Com isso, as decisões ficam quase que inteiramente subordinadas a essas necessidades, em detrimento de uma questão importante, do meu ponto de vista, que é a demanda social, em que um contingente considerável de brasileiros ainda vive sem acesso à energia elétrica. Claro que o governo, ao implantar, em grande medida, o seu programa "Luz para todos", procura atender esta necessidade. Mas, enquanto ela for restrita à extensão de rede, enquanto o acesso de energia elétrica não permitir que fontes locais de energia renovável atendam às necessidades das populações que são distantes à rede de distribuição, enquanto isso tudo não for feito, ficaremos sujeitos à Lei do Mercado. E na Lei do Mercado essas populações não têm espaço.

IHU On-Line – Como fica nossa pegada ecológica a partir da instauração desse plano?

Célio Bermann – A ideia de se buscar identificar o que a literatura internacional chama de pegada ecológica, isto é, o acesso aos recursos naturais em relação à transformação de energia, no caso do Plano Decenal de Energia, gera uma contabilidade em termos de degradação de recursos, de dilapidação dos recursos e dos ecossistemas. No nosso caso, de novo, se compararmos o perfil de suprimento energético no Brasil com o plano internacional, veremos que temos ainda uma situação bastante favorável. Isso não quer dizer que a pegada ecológica irá crescer e se tornar cada vez mais intensa em função daquilo que o Plano Decenal preconiza.

IHU On-Line – Este plano tem, de algum forma, pontos positivos?

Célio Bermann – O que eu considero positivo, e o plano abre, pela primeira vez, é a possibilidade de contestação Ou seja, a sociedade, de uma forma geral, pode questionar e buscar outras soluções. Isso não quer dizer que, nas atuais circunstâncias, o governo consiga incorporar, de uma forma sistemática, a crítica que pode emergir do fato do plano ser submetido às audiências públicas. Via de regra, audiências públicas são, basicamente, apresentações por parte do governo. Há pouco espaço para o debate, e, quando ele efetivamente acontece, como foi o caso, no início do último mês, quando o Ministério Público Federal chamou o governo para uma audiência pública, ainda se fica sem uma definição clara de que forma o governo irá considerar aquilo que foi indicado nessa reunião, ou até que ponto irá desconsiderar outras opiniões.

IHU On-Line – Que mudanças são mais emergenciais nesse plano?

Célio Bermann – Primeiro, o plano precisa necessariamente rever os seus paradigmas. Ele foi pensado numa época anterior ao período que se consolidou como de crise no mercado internacional. Essa crise tem repercussões no nosso país, e os parâmetros nos quais o plano se alicerça precisam ser revistos. A segunda questão é trazer a problemática do destino da energia. Não é possível continuarmos reproduzindo a situação, histórica, em que o Ministério de Minas e Energia não conversa com o Ministério de Economia e com o Ministério de Indústria, Comércio e Relações Internacionais. Este, por sua vez, não conversa com outras esferas do governo que decidem as previsões e o perfil em que a indústria, em particular, irá se moldar nos próximos anos. Então, o Ministério de Minas e Energia corre atrás de decisões em que ele não é envolvido. A sociedade também não se envolve num debate importante, no sentido de se possa definir um programa de desenvolvimento capaz de reduzir essa participação subordinada do país ao processo de globalização. Essa participação fica restrita ao papel de mero exportador de bens primários de alto conteúdo energético e alto impacto ambiental. Nessas circunstâncias, eu penso que, se há algo que precisa ser feito para mudar este contexto, necessariamente, é mudar o paradigma do planejamento energético, de forma a introduzir uma discussão mais profunda, mais geral, envolvendo as várias esferas de governo e a sociedade, para a construção de um plano de desenvolvimento em que a demanda por energia seja restabelecida.



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