segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Impactos de Tijuco Alto sobre o Lagamar

(publicado no informativo do MOAB, Agosto/2008)

Ainda existem pessoas que se perguntam: por que este povo de Cananéia está brigando tanto para que a Barragem de Tijuco Alto não seja liberada pelo IBAMA? Uma Usina que está 330 km para cima da foz do rio Ribeira pode mesmo afetar a vida das populações que moram lá embaixo? A história tem mostrado que sim. No mundo inteiro e também no Brasil, barragens têm afetado o equilíbrio ecológico e a economia de milhões de pessoas na faixa litorânea. No Brasil, o caso mais emblemático é do Rio São Francisco, que agoniza de forma impressionante.

Este rio já não tem forças para avançar no mar, suas margens estão completamente ocupadas por monoculturas e a pesca está numa situação de penúria. Um dos motivos para esta redução de volume e da pesca é a série de barragens construídas no seu leito, entre elas, a de Sobradinho. No último ano, eventos de seca que diminuíram a vazão e o nível do rio, forçaram os funcionários da Usina a reduzir a passagem de água pela barragem, segurando a água do São Francisco, a fim de garantir o funcionamento das turbinas da Usina Hidrelétrica (UHE). A extrema redução de vazão rio abaixo, resultou num grande impacto a jusante, reduzindo rapidamente o nível das águas (e o seu volume) e causando uma grande mortandade de peixes.

O Rio Ribeira corre, no mínimo, o mesmo risco. O Complexo Estuarino Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá – apelidado de Lagamar - representa um eixo natural e cultural de alta relevância nacional onde desemboca o rio Ribeira de Iguape. Apesar de estar relativamente distante do local escolhido para ser construída a Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto percebemos, quando entendemos a dinâmica do rio, que alguns dos impactos que esta região sofreria estão ligados à vazão do rio. Assim, ecossistemas de manguezal, restinga, costão rochoso e praias arenosas poderiam ter seu equilíbrio abalado.

O rio Ribeira, como muitos outros rios, passa por um período de chuva e um período de seca bem nítidos. Com isso a quantidade de água do rio muda, ou seja, a vazão do rio muda. Na época de chuva há uma vazão maior do que na época seca. Um dos fatores que diminui essa diferença de vazão – trazendo equilíbrio para o sistema - é que a água da chuva infiltra no solo e, durante a seca, parte desta água subterrânea abastece o rio.

Mas ao contrário de muitos lugares, a Bacia Hidrográfica do Ribeira de Iguape pode ser dividida em duas partes, uma do Alto e Médio Ribeira (da nascente do rio até 5 km antes de Registro) e outra do baixo Ribeira (de Registro até o estuário). Na parte Alta, onde está prevista a construção da UHE Tijuco Alto, o relevo é montanhoso e naturalmente sofre erosão. Nessa região a terra nas margens do rio tem muita argila e quando ela fica sem nenhuma proteção das raízes da mata, impede a passagem de água pelo solo, diminuindo a quantidade de água subterrânea.

Isso já acontece, por exemplo, nas estradas de terra criadas nas plantações de Pinus e eucalipto, nas cabeceiras do Ribeira. Não é a toa que muitos ribeirinhos afirmam que o rio já tem menos água. Se Tijuco Alto for construída, além das estradas que serão abertas e piorarão este problema, a UHE liberará menos água para garantir a mesma quantidade de energia, na época seca. Com isso, a vazão do rio vai diminuir mais ainda. Mas por que menos vazão de água é tão prejudicial ao Lagamar?

A região do Lagamar, no baixo Ribeira, é uma planície de água calmas que compõe um grande estuário, entre São Paulo e Paraná. O estuário existe porque há mistura de água doce dos rios, principalmente do Ribeira, com água salgada do mar. Os animais que moram aí estão acostumados a viverem nesse lugar característico e dependem da vazão do rio. Sua alimentação e sua movimentação, bem como a sua reprodução, dependem da velocidade e da salinidade de suas águas. Muitos peixes são assim. É o caso da manjuba pescada em Iguape. Esse peixe depende da vazão do rio e 80% dos moradores de Iguape dependem da pesca da manjuba. Menos vazão, menos manjuba e 80% das pessoas que moram em Iguape perdem seu tradicional modo vida!

A Companhia Brasileira de Alumínio, do Grupo Votorantim, divulga que a Barragem de Tijuco Alto controlaria as cheias do Ribeira e que traria desenvolvimento para a região, principalmente através de empregos. Este foi o discurso da CBA/CNEC nas audiências públicas ocorridas em Cerro Azul, Adrianópolis (PR), Ribeira, Eldorado e Registro (SP). Obviamente um discurso que não convenceu a população do Vale do Ribeira, já que o controle de cheias não foi satisfatoriamente explicado, pois como evitar algo que é natural à dinâmica do rio? Além disso, o excesso de cheias se deve ao desmatamento das margens do Ribeira, principalmente para o plantio de monoculturas de banana, Pinus e gado. Não precisa construir barragem para controlar cheia. É só cuidar e manter a mata ciliar!

A “gigantesca” oferta de 60 empregos fixos também chega a ser uma afronta à inteligência dos moradores do Vale do Ribeira. Se 2.500 pescadores de manjuba sustentam diretamente as suas famílias em Iguape (cerca de 10.000 pessoas), o que aconteceria se este peixe tivesse a sua população reduzida, afetando a produção pesqueira? Conclusão: a ameaça de desemprego é maior, bem maior, que a de emprego. Além dissoo, a manjuba também faz parte da teia alimentar das espécies aquáticas do Lagamar. O desequilíbrio destas cadeias poderia afetar inclusive espécies de grande importância turística para Cananéia, como o boto-cinza, símbolo da cidade. Muitas das pessoas que visitam o Lagamar vem buscar esta beleza, de importância não só paisagística, mas comportamental. E estes são apenas alguns poucos exemplos.

Infelizmente quando os pesquisadores da CNEC fizeram seus estudos não consideraram a Bacia toda, desrespeitando a Legislação Nacional e do estado de São Paulo, além dos Planos Nacional e Estadual de Recursos Hídricos. Optaram por ignorar esta população e os impactos que ela sofrerá. E tudo isso com aval do Ibama... Chega de ter uma visão pequena, mesquinha! A Bacia do Rio Ribeira tem que ser considerada como um todo, desde a sua nascente, até o seu estuário. Toda a população do Vale do Ribeira se conecta entre si através do Ribeira. É o rio da unidade regional e um pequeno pescador em Cananéia pode sim ter o seu modo de vida alterado por um empreendimento no eixo do rio, mesmo a quilômetros de distância. É que mostram o estudos e a história.

É por este entendimento de unidade, de preocupação com a ecologia e com a economia da região, seriamente ameaçadas, que a população do Lagamar – Iguape e Cananéia – reivindicam pelo menos mais uma audiência pública na região e que seja... no Lagamar.

Mayra Jankowsky e André Murtinho Ribeiro Chaves
(Coletivo Educador do Lagamar – Núcleo Cananéia)

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