quinta-feira, 13 de março de 2008

Carta Aberta ao Povo Brasileiro

A UHE Tijuco Alto não interessa ao País e menos ainda ao Vale do Ribeira

Há vinte anos os agricultores familiares, as populações quilombolas,
as famílias caiçaras, as comunidades indígenas e todos os movimentos
sociais envolvidos com o desenvolvimento sustentável do Vale do
Ribeira, maior remanescente contínuo de mata atlântica em todo o país,
se defrontam com um iminente perigo, capaz de destruir seus modos de
vida e enterrar seus planos de desenvolvimento para a região: o
projeto de construção de hidrelétricas no rio Ribeira de Iguape.

Os inventários hidrelétricos do rio Ribeira apontam a construção de
quatro usinas hidrelétricas: Tijuco Alto, Funil, Itaoca e Batatal. Se
construídas, as barragens inundarão permanentemente uma área de
aproximadamente 11 mil hectares no médio e alto curso do rio, o que
implicará na perda de terras agriculturáveis – principalmente nas
terras de agricultores familiares e quilombolas – na destruição de
áreas hoje ambientalmente protegidas, na inundação de cavidades
subterrâneas e na alteração inexorável do regime hídrico do Ribeira de
Iguape, com prejuízos que se estenderão até sua foz, onde residem
diversas colônias de pescadores artesanais que dependem da manutenção
do equilíbrio ecológico do complexo estuarino para poderem sobreviver.

Apesar da luta de vinte anos, com inúmeras passeatas, manifestações
públicas, abaixos assinados e ofícios encaminhados aos órgãos
ambientais competentes manifestando o repúdio da população local à
construção dessas hidrelétricas, o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA emitiu, em
26/02/2008, o parecer técnico no /2008 – COHID/CGENE/DILIC/IBAMA, que
avalia os estudos ambientais da UHE Tijuco Alto e, contraditoriamente
com seus próprios fundamentos, conclui por sua viabilidade ambiental.
Com isso, abriu-se o caminho para a emissão da Licença Prévia,
primeiro passo para que a obra possa ser implantada.

Nos causa imensa preocupação esse posicionamento do IBAMA, pois ele
desconsidera uma série de fatores fundamentais para avaliar a
viabilidade ambiental e social do empreendimento. Em primeiro lugar,
desconsiderou o próprio resultado das audiências públicas,realizadas
seis meses antes em cinco cidades do Vale do Ribeira, nas quais a
população presente se manifestou majoritariamente contrária à
construção da usina. Em segundo lugar, desconsiderou uma grande
quantidade de pareceres técnicos, inclusive do Ministério Público e
dos órgãos estaduais de meio ambiente de São Paulo e Paraná, que
apontavam para inconsistências e falhas nos estudos ambientais e que
recomendavam a não emissão da licença diante das incertezas e dos
riscos envolvidos.

Questões fundamentais como a segurança da barragem, a quantidade e
extensão de cavidades subterrâneas afetadas, a qualidade de água do
futuro reservatório, a magnitude e extensão dos danos causados à
população afetada pelos “impactos indiretos”(redução de áreas
agricultáveis, alteração na população de peixes, aumento de
concentração de poluentes no rio, encharcamento de áreas pela elevação
do lençol freático), o impacto da construção dessa barragem sobre a
ecologia da região estuarina de Cananéia-Iguape e o destino das
centenas de famílias de agricultores familiares diretamente afetadas
pela formação do reservatório, não foram definitivamente respondidas,
não foram objeto de pareceres independentes mesmo havendo dúvidas
quanto às conclusões dos estudos contratados pela CBA.

Por fim, e mais grave, o parecer do IBAMA desconsiderou completamente
todos os planos de desenvolvimento alternativos para a região, e que
são incompatíveis com a construção desse empreendimento. Documento
protocolado pelo Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e
Cidadania do Vale do Ribeira – IDESC durante as audiências públicas
aponta para uma série de investimentos dos governos federal, estaduais
(SP e PR) e de organizações não-governamentais na região, realizados
na última década, e que vão no sentido de aproveitar os recursos
naturais da região para sua própria população, fomentando a fixação
das famílias de agricultores familiares em suas terras através da
garantia do direito à terra, da melhoria nos fluxos de financiamento
para a produção agrícola e na melhoria dos serviços públicos
oferecidos a essa população.

Não queremos a construção de barragens no rio Ribeira, muito menos a
de Tijuco Alto, que beneficiará apenas a Companhia Brasileira de
Alumínio – CBA. Numa sociedade democrática não é permitido a uma
empresa privada sobrepor seus interesses aos de toda uma coletividade.
Não há razão que justifique a sociedade do Vale do Ribeira assumir
todos os custos decorrentes da construção da hidrelétrica, com todos
os riscos inerentes a um empreendimento desse porte localizado nessa
região, enquanto a CBA fica apenas com os benefícios econômicos. O
Brasil não precisa mais aumentar sua produção de alumínio, pois esse é
um produto que gera poucos benefícios econômicos em troca de imensos
prejuízos socioambientais. A CBA não pode expandir suas atividades em
prejuízo do equilíbrio ecológico de uma região importantíssima e do
modo de vida de populações que nunca se beneficiarão desse aumento de
produção. Não há interesse público na construção da UHE Tijuco Alto,
razão pela qual o IBAMA não pode autorizar sua construção!

Queremos que seja negada a licença ambiental para a UHE Tijuco Alto.
Queremos que seja revisto o estudo que prevê a construção das quatro
barragens no rio Ribeira de Iguape. Queremos que ele continue correndo
livre e alimentando o povo da região. Como já dissemos anteriormente
ao Governo Federal, não precisamos de grandes obras, mas de
oportunidades para todos. Queremos outro tipo de desenvolvimento: um
desenvolvimento que realmente dê oportunidades de melhoria e qualidade
de vida para toda população. Tijuco Alto representa a MORTE e nós
queremos VIDA.

Assinam pela coordenação da Campanha contra Barragens no Ribeira:

Associação Sindical dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
(Asstraf) – Cerro Azul/PR

Centro de Estudos, Defesa e Educação Ambiental (Cedea) - Paraná

Central Única dos Trabalhadores (CUT) – Vale do Ribeira

Coletivo Educador do Lagamar

Coletivo Jovem Caiçara

Colônia de Pescadores de Iguape

Equipe de Assessoria e Articulação das Comunidades Negras (Eaacone) –
Vale do Ribeira

Fundação SOS Mata Atlântica

Instituto Ambiental Vidágua

Instituto Socioambiental (ISA)

Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB) – Vale do Ribeira

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Vale do Ribeira
(Sintravale)

Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE)

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