Vindas de diferentes municípios e comunidades do Vale do Ribeira, cerca de 400 pessoas se concentraram na manhã desta quarta-feira, 12/3, em frente ao Ibama, em São Paulo, para protestar contra o parecer do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que concluiu pela viabilidade ambiental da usina hidrelétrica de Tijuco Alto. Se construída, vai gerar energia exclusivamente para a Companhia Brasileira de Alumínio – CBA e muitos prejuízos à população e à biodviversidade local.
Eram 5h40 da manhã desta quarta-feira quando os primeiros ônibus pararam em frente à sede do Ibama, em São Paulo, vindos de várias localidades do Vale do Ribeira, trazendo lideranças e representantes de comunidades remanescentes de quilombos, ribeirinhos, pescadores e de movimentos sociais e ambientais que atuam na região. Eles entraram no edifício, ocuparam escadas e calçadas e iniciaram seu protesto contra o parecer do instituto concluindo pela viabilidade ambiental da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, que a Companhia Brasileira de Alumínio – CBA – quer construir no rio Ribeira de Iguape.
Dez minutos depois chegava a superintendente do instituto em São Paulo, Analice Novais Pereira. Ela informou que o Ibama havia convidado as lideranças para conversar. Na terça-feira, 11/3, organizações da sociedade civil tinham divulgado carta aberta ao povo brasileiro intitulada “A UHE Tijuco Alto não interessa ao país e menos ainda ao Vale do Ribeira”. No texto, as organizações informam que, se construída, a usina irá gerar energia exclusivamente para a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). E ressalta que não há interesse público em sua construção. Por isso o Ibama não pode autorizá-la. Lembra ainda que o Vale do Ribeira abriga o maior remanescente contínuo de Mata Atlântica de todo o País e sua riqueza socioambiental.
"Terra é pra plantar, não pra alagar"
Portando faixas contra as barragens, gritando slogans – “Terra é pra plantar, não pra alagar”, “Águas para a vida não para a morte” - e entoando canções, o protesto foi engrossado por manifestantes de Cananéia, que chegaram às 7h. Os representantes dos manifestantes foram recebidos às 9h pela superintendente do instituto e as negociações se estenderam até o meio da tarde.
A reunião foi interrompida por volta do meio-dia. Um dos líderes do Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab) e da Associação Quilombo de Ivaporunduva, José Rodrigues da Silva, integrante da comissão que se reuniu com Analice Pereira, desceu para informar os que esperavam do lado de fora. "Colocamos que somos contra o parecer do Ibama em relação a Tijuco Alto. Dissemos que o Vale do Ribeira é muito diferente de outras regiões do Estado de São Paulo e do Brasil. Que o Vale tem muita história, biodiversidade, é diferente". Rodrigues disse ainda que a comissão deixou claro à superintendência e a um dos analistas que assinou o parecer – e estava na reunião -, que não aceitam decisões quando a população que vai ser prejudicada não é ouvida. "Participamos de cinco audiências públicas no ano passado, e nelas pedimos mais informações à CBA quanto ao projeto. A CBA não nos informou, não respondeu às nossas perguntas e o Ibama também não. O que colocamos não foi considerado". O líder quilombola reiterou que as comunidades querem que as propostas que fizeram sejam analisadas, incluindo um estudo da bacia hidrográfica do rio Ribeira. "Eles vão falar com Brasília e daqui uma hora vão nos chamar para dar a resposta. Não vamos sair daqui enquanto não tivermos uma resposta que esteja dentro da nossa proposta".
Estritamente vigiados
Desde as primeiras horas da manhã, a manifestação foi acompanhada de perto pela Polícia Militar, cuja presença não intimidou os manifestantes. O Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab) trouxe faixas endereçadas às construtoras de barragens, pedindo respeito às pessoas e ao meio ambiente; à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva com os dizeres: "O governo brasileiro não pode entregar às grandes empresas o que ainda resta da Mata Atlântica no Estado de São Paulo". Outra faixa denunciava que o Ibama só defende os interesses dos grandes, mencionando as barragens no Rio Madeira, a transposição do Rio São Francisco, o Porto de Peruíbe e Tijuco Alto. O protesto teve o apoio do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) e do MST.
Enquanto as lideranças negociavam com o Ibama, às 10h30 começou um Ato Público. Entre os que se revezaram ao microfone estavam o Bispo da Diocese de Registro, Dom José Luís Bertanha, representantes de comunidades e líderes estudantis. O prefeito de Iporanga, Ariovaldo da Silva Pereira veio prestar sua solidariedade ao movimento. “Eu sempre me posicionei a favor das comunidades e acho que a usina vai trazer um transtorno muito grande a elas. Vejo com preocupação a barragem de Tijuco Alto”. Iporanga é um dos municípios do Vale do Ribeira onde se localizam muitas cavernas que foram fechadas à visitação em fevereiro passado pelo Ibama. O prefeito informou que por conta disso, o município está parado, que há muitas pessoas envolvidas com as atividades voltadas ao turismo. “Simplesmente, o Ibama, sem aviso prévio, fechou as cavernas à visitação. É como se uma grande indústria fosse fechada da noite para o dia, sem nenhuma satisfação”.
Preocupado com as conseqüências que a barragem representa aos pescadores de Cananéia, seu Ernane, aposentado, contou que uma senhora, sua vizinha, acabou multada pela polícia ambiental por ter carpido uma roça de mandioca. “A roça não tem mais que 600 pés de mandioca e esse processo contra ela corre há mais de quatro anos”, explicou Hernane, cuja mulher é pescadora e faz parte da Cooperativa de Cananéia. "Essas coisas a gente sente que é muito pesado. Nós não podemos sobreviver e o Antônio Ermírio destrói o Brasil construindo barragens. É muito difícil aceitar isso”.
As negociações encerraram-se às 16h30 com um acordo entre o Ibama e os movimentos sociais e ambientais em torno de dois pontos fundamentais. O primeiro deles é que nenhuma decisão será tomada sem antes ouvir as questões e dúvidas da população do Vale do Ribeira em relação à barragem e o segundo será avaliar a possibilidade de realizar reunião pública na região para que a equipe técnica do órgão possa justificar seu parecer, ouvir os pontos apresentados pela população e, se for o caso, reformular o parecer. Amanhã, 13/3, uma reunião foi marcada em Brasília para estabelecer com o Ibama uma agenda para a realização dessas ações.
Leia abaixo a ata da reunião que chegou ao acordo celebrado entre o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab) e o Ibama
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