Ocupação fortalece luta contra usina em SP
ENERGIA
Ato na superintendência paulista do Ibama faz órgão aceitar negociação com comunidades
Rui Kureda
de São Paulo (SP)
A OCUPAÇÃO do prédio da superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no dia 12, em São Paulo, teve pelo menos duas conseqüências importantes.
Em primeiro lugar, o ato, que contou com a presença de centenas de manifestantes, foi noticiada pelos principais veículos de comunicação do país, o que proporcionou visibilidade à luta contra o projeto da Usina Hidrelétrica (UHE) de Tijuco Alto.
Um fato relevante, principalmente porque o movimento de resistência era pouco conhecido, apesar de ter começado há vinte anos. A ocupação furou o cerco da mídia corporativa, permitindo que milhões de pessoas tomassem conhecimento, pela primeira vez, da luta travada pela população da região do Vale do Ribeira.
Em segundo lugar, o Ibama aceitou sentar à mesa para discutir com os representantes do movimento. Um dado relevante, uma vez que o órgão havia divulgado, no início deste mês, um parecer técnico favorável à obra. Como produto da negociação, o instituto se comprometeu a não emitir qualquer posição final quanto à viabilidade da hidrelétrica sem antes avaliar os questionamentos levantados pelas comunidades do Vale do Ribeira. Além disso, acolherá, até o dia 17 de abril, observações e sugestões relacionadas ao parecer técnico emitido pelo órgão.
Ocupação vitoriosa
Há um consenso de que a ocupação representou uma vitória para o movimento contra a usina de Tijuco Alto. Para Luciana Bedeschi, do Movimento dos Ameaçados por Barragens (Moab), os compromissos assumidos pelo Ibama abrem uma “frente que precisa ser explorada para apontar as controvérsias do estudo de impacto ambiental (EIA-Rima) e o parecer técnico do Ibama”.
André Murtinho Ribeiro Chaves, do Coletivo Educador do Lagamar, lembra que o acordo não oferece “nenhuma garantia de que a licença prévia não sairá”, mas ressalta: “o resultado da negociação dá uma esperança, um fôlego àqueles preocupados com a construção da barragem, além de unir e contribuir para a luta contra barragens em todo Brasil”.
Na mesma linha, Evandro Nesello, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), alerta que, apesar do saldo positivo, não se pode subestimar os poderosos interesses econômicos, nesse caso, da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) de Antonio Ermírio de Moraes, que “pressionam o governo e o próprio Ibama”.
Decisão política
Durante o ato público do dia 12, em frente ao prédio ocupado, várias vozes apontaram para o caráter político do parecer do Ibama. O órgão não levou em conta os inúmeros questionamentos e considerações levantados durante as audiências públicas de junho de 2007. Além disso, emitiu parecer favorável mesmo diante de problemas graves do EIA-RIMA da CBA, como o fato de ele só considerar as ações até a cidade de Registro (SP). “Isso contraria a resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que indica a necessidade dos estudos abrangerem o conjunto da bacia”, explica André.
Para o deputado estadual Raul Marcelo (Psol-SP), autor de projeto (barrado pelo governador José Serra – PSDB/ SP) que tornava o rio Ribeira de Iguape patrimônio histórico e cultural do Estado de São Paulo, o Ibama deveria agir “em defesa do meio ambiente, em vez de favorecer os interesses do grande capital”.
Tais colocações são justificadas, uma vez que a UHE Tijuco Alto é um projeto que tem como propósito único fornecer energia elétrica barata e abundante para uma empresa, a CBA. “A usina não vai trazer nenhum benefício para a população”, como afirma Edson Rodrigo da Silva, morador do quilombo de São Pedro e integrante da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone).
Para piorar, o projeto de Antonio Ermírio para o rio Ribeira do Iguape prevê, além de Tijuco Alto, mais três usinas – Funil, Itaoca e Batatal – cujas barragens, somadas, resultarão na inundação de 11 mil hectares, afetando 26 municípios de São Paulo e do Paraná.
A UHE Tijuco Alto é uma ilustração clara e inquestionável da idéia de que o modelo energético é a cara do modelo econômico. É um projeto excludente e concentrador, que favorece um único empresário ao preço de devastação ambiental, miséria social e destruição cultural das comunidades locais.
A resistência continua
Evandro, do MAB, aponta o caráter desigual da luta. Lembra que, durante a vistoria feita pelo Ibama no Vale do Ribeira em 2007, os técnicos foram praticamente escoltados por representantes da CBA, que lhes proporcionou desde helicópteros até hotel para hospedagem. Para ele, as negociações e os debates técnicos são importantes, mas o “foco principal deve ser a mobilização das comunidades”.
No mesmo tom, para André Murtinho, a luta contra a barragem de Tijuco Alto só poderá ser plenamente vitoriosa com a mobilização e a ação direta das comunidades do Vale do Ribeira. A ocupação do Ibama foi “só uma amostra do que os movimentos podem fazer”. E conclui: “Temos, hoje, uma capacidade de articulação estadual muito boa, principalmente pelo forte apoio da Via Campesina”.
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